35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
Entrada gratuita
A+
A-
35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
Menu
Registros da visita © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Vadiação do impossível − Uma mediada pela capoeira Angola

Abre as portas minha gente que o povo de Angola chegou
– Mestre Topete

Iê!
A roda da 35ª Bienal − coreografias do impossível começa com uma ladainha. Cantando, fizemos nossos primeiros movimentos impossíveis.

Agô Senhora Menina
Agô ya ago bàbá
No Ilê estou chegando
Quero dizer Mojubá
[…] Com ajuda de Xangô
Peço licença a vovó
Peço licença a vovô, camaradinha
– Mestre Moraes

A capoeira mediou nossos corpos. Os berimbaus, pandeiros, agogôs, reco-recos, atabaques, nossas corpas e vozes nos acompanharam, preenchendo o espaço do Pavilhão Ciccillo Matarazzo.

Ê maior é Deus,
pequeno sou eu.
[…] Na roda da capoeira Grande e pequeno sou eu
– Mestre Pastinha

Estabelecemos a canção como diálogo, como modo sensível de gerar “estranhamentos férteis” no encontro com as obras, como soprou o educador e angoleiro Allan da Rosa, em seu encontro conosco.1 O jogo de perguntas e respostas, dançado, tocado e cantado reinou.

Ao abrir da boca de Bruno dos Santos, Kennedy Maciel da Silva, Rose Mara Kielela e Nivea Matias, de companheires da Escola de Capoeira Angola Resistência (ECAR), de Mestre Topete e visitantes, saíram histórias de tempos espiralados em coreografias de retornos. Como foi entoado por Leda Maria Martins: “o que no corpo e na voz se repete também é episteme”.

Giramos esses tempos em torno da obra-árvore, baobá, kalunga de Ana Pi e Taata Kwa Nkisi Mutá Imê. Demos a volta nela, da mesma forma como giraram nossos ancestrais ao redor dos baobás, dessa vez não para esquecer, mas sim para lembrar. Seguimos cantando pelos trabalhos de Kidlat Tahimik, Denilson Baniwa, Cozinha Ocupação 9 de Julho – MSTC, até Torkwase Dyson, onde o toque de iúna ressoou de maneira fúnebre, circulando o espaço. Passando entre suas torres, encontramos um jogo de dentro, jogo pequeno, jogo fechado, de difíceis movimentos, contidos mas também soltos, livres mesmo nas limitações de tempo, espaço, amor e dor.

Subimos pelo vão central do Pavilhão e encontramos o trabalho de Rosana Paulino, em meio às raízes do mangue. Quanto tempo demora para subir a rampa da 35ª Bienal vadiando Capoeira Angola?

Continuamos o caminho no ritmo do afoxé, saudando o Templo de Oxalá (1977), de Rubem Valentim. A força das matas se fez presente na Floresta de infinitos (2023), de Ayrson Heráclito e Tiganá Santana, que evoca Oxóssi e os caboclos. Passando pela obra de Castiel Vitorino Brasileiro, relembramos o Decreto 847, de 11 de outubro de 1890, presente no Código Penal brasileiro, no qual constava a proibição da capoeira, do samba e de práticas religiosas de matriz africana.

Xô Xô meu canário
Meu canário é cantador
– domínio público

Registros da visita, ao redor de obra de Ana Pi e Taata Kwa Nkisi Mutá Imê © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

assando pela Frente 3 de Fevereiro, junto à Inteligência ancestral (2023), videoinstalação inspirada na vida, obra e memória de Maurinete Lima, e no Zumví Arquivo Afro Fotográfico, cantamos e questionamos a dita “história oficial do Brasil”, afirmando o protagonismo da luta da abolição. Finalizamos no Quilombo Cafundó, aquilombades. Juntes, descemos para a obra de Ibrahim Mahama.

Jogar e tocar no vão do Pavilhão foi emocionante para todes que participaram cantando, batendo os instrumentos e a palma, respondendo ao coro. Exercemos nosso direito à opacidade saindo dos campos de entendimento pela razão e evocando as cosmopercepções presentes, saberes de vida incorporados, ancestrais diários. Nossa visita fluiu como um rio entre e dentre as obras, nessa terra alagada de paus podres do Ibirapuera. O Pavilhão foi ocupado pela roda que gira em espiral.

Adeus, povo bom adeus
Adeus, eu já vou me embora
Pelas ondas do mar eu vim
Pelas ondas do mar eu vou me embora
– domínio público

    • Encontro de formação da equipe de mediação da 35ª Bienal, realizado em 12/08/2023