35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
Entrada gratuita
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Caderno de anotações e cartas para Xica Manicongo
Foto: Yala Silva

Oficina de imaginação para Xica Manicongo

91 × 1 (× 3)

Xica, você tá aqui? Xica? Onde você está? Te busquei entre estas paredes brancas e não encontrei, para além de alguns documentos, nada mais me contava sobre você, senão aquilo que eu mesma inventei sobre essas ausências. Algo in/esperado ocorreu, ouvi de Xica nos meus sonhos na noite passada, Manicongo sussurrava nos meus ouvidos para chegar preparade no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, pois sabia que o que me esperava era um ebó que cura, transforma e impulsiona, ela chegou trazendo cores para 35ª Bienal.

Fecho os olhos e desenho seu rosto, delineio seus olhos, nariz, boca, sorriso. Imaginar você é o que eu tenho de possível para nós nesse momento? Perguntar, ouvir, conversar, encontrar, andar e sentar, rodopiar, subir e descer, e até se entediar. O que está vestindo? Posso ver? Tenho um par de brincos e um bracelete, acho que combina com seu look, quer provar? Pensei em passarmos o dia juntas; nesta coreografia, escolhemos o caminho do afeto, de tudo o que nos afeta, de tudo o que nos transforma. Esse caminho repleto de encruzilhadas desaguaram no mesmo propósito, encontrar você, Xica. Um almoço, talvez? Bater palmas de feliz aniversário em seu quarto, por cada novo ciclo, este e os que ainda estão por vir, e que venham muitos, muitos, e muitos anos de vida.

Se precisar, podemos sair, andar no parque, escolher uma árvore pra deitar, fazer uma entrega, flores, perfume, maquiagem, bijuterias, valerato de estradiol 6 mg, acetato de ciproterona 50 mg, unhas postiças, espelhos, retratos. Tudo aquilo que pode uma travesti começa pelo gesto de desenhar um corpo imaginário possível. Somos aquilo que há pouco tempo não existiria, não fosse pelo simples desejo de experimentar ser. Xica, realeza do Congo, filha das ventanias, ventos que não permitiam construções coloniais de gênero, raça e classe. Neste xirê de memórias, fomos convidades a estar em roda, nos olhando, movimentando nossas corpas em uma mesma coreografia, nos levando para caminhos de retorno em um outro tempo/espaço.

E o público? Algo in/esperado ocorreu durante a nossa visita temática para Xica Manicongo, a presença predominante de pessoas cis-hétero-brancas interessadas em sempre-já “saber mais” veio dar as costas à violência do arquivo colonial e a criar a sua própria matéria-sem-forma no espaço educativo da 35ª Bienal. O que ainda incomoda são os olhos que caminham sobre nós neste Pavilhão, fazem que não nos veem, mas nos fitam em cada poro, cada pedaço de pele, pelos, unhas. Eles não sabem nada sobre nós, tampouco imaginam, Xica, nossas desobediências os desafiam, já não sabem mais dançar.

Algo in/esperado ocorreu durante a nossa visita temática para Xica Manicongo. No dia 11/11/23 às 11h, no território que nomeiam “brasil”, corpografias dissidentes de gênero, sexualidade, raça e território se encontraram na coragem do colapso do Mito da Forma Eterna, como diz Castiel Vitorino Brasileiro em Quando o sol aqui não mais brilhar. Um espaço outro fora do tempo Moderno-Colonial criou-se em comunhão aos nosses amigues que estavam presentes presentes ali. Nos emocionamos quando nos encontramos na fuga.

Algo in/esperado ocorreu durante a nossa visita temática para Xica Manicongo.permanecer no mistério/ na imensidão do fracasso colonial/ nos pesadelos dos algozes/ nas miradas dos sonhos de olhos abertos/ na efemeridade da forma silenciosa do ser e estar no/do mundo/ na coragem de ser nada e tudo ao mesmo tempo/ como matéria disforme em constante expansão..:::>>>>>/…

Te vejo Xica
Me vejo em Xica
Nós somos Xicas?