De tabela
Hoje tem futebol, tem show, tem festa
Meu ídolo matando bola no peito
Marcando de testa, bem na boca do gol
— trecho da canção “Hoje tem futebol”, de Cátia de França
Vai começar a visita temática de tabela, relações entre obras da 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível e o universo do futebol. Falamos ao vivo e em retrospectiva do Pavilhão da Bienal; a atmosfera no entorno se encontra como um belo domingo de futebol à tarde. Samba rolando com Preta Ferreira, acarajé, pastel e aquela cerveja gelada. Tudo isso é um oferecimento da Cozinha Ocupação 9 de Julho – MSTC. É sempre bom lembrar: quem ocupa cuida!
Voltamos com imagens de dentro do Pavilhão.
O público vai chegando e encontrando seu lugar no Parliament of Ghosts [Parlamento de fantasmas] (2023), trabalho de Ibrahim Mahama que, em escala menor, muito se assemelha aos antigos estádios. Sem setorização, aberto ao público, é só chegar que a bola vai rolar.
Esse jogo não tem juiz, não tem certo e errado, nem esquema tático. É um jogo em que a ginga, o drible e o improviso estão liberados.
Alô, Ricardo Aleixo!
O que você me diz daí:
Geral:
O jo / go é tão // sujo / e você //
(entre / bis // onho / e // biz / arro) //
torce / justo // para / o juiz?1
A bola já tá rolando e você nem percebeu. Bandeiras ao alto e estourando um “Jaider Esbell, presente”. Olha que beleza esse show de bandeiras que o público presencia: “Cozinhar é revolucionário”, “Sementes livres”, “Território é direito”. Toca daqui e toca de lá, Carmen Silva – camisa número 10 – pede a bola, mata no peito e manda um chute que é um golaço: “o Futebol é do Povo, salve as torcidas antifas!”
éééééééé gooooolllll!!! E que gol!
A torcida vai à loucura e todos querem jogar. Com os pés descalços na obra Habitar el color [Habitar a cor] (2018–2023), de Carlos Bunga, a tabelinha segue. O terreno irregular por conta do desgaste de três meses de exposição não nos impede de avançar e florear dribles para coreografar o impossível.
fim do primeiro tempo. 1 × 0
O segundo tempo já começa com um jogador grandioso pedindo a bola. Salve, Rubem Valentim, com suas vinte esculturas postadas esperando o adversário contra-atacar.
Posição inabalável, altiva, assim como Pelé, o Oxalá do futebol. Jogo chegando na hora de a “onça beber água”, “de quem tem mais garrafas vazias para vender”, “de separar os homens das crianças”…2
Mas nosso time joga junto, e uma criança, jogador das categorias de base, traz a presença de Vini Jr. em um momento importante da peleja – Zumví Arquivo Afro Fotográfico. Um lençol nos racistas que insistem em invisibilizar imagens positivas do povo negro. Golaço! Em uma tabela de criança, Vini Jr. e Zumví Arquivo Afro Fotográfico.
éééééééé gooooolllll!!! E que gol!
E lá vem o bandeirão “Brasil negro salve” da torcida organizada contra o racismo, a Frente 3 de Fevereiro. Mas não existe jogo ganho de véspera, tampouco um vencedor que possa cantar vitória antes da hora. Ahlam Shibli nos mostra que a resistência do mais fraco é uma tática que pode incomodar o adversário mais forte.
Más que un equipo, todo un pueblo3
2 × 0. Acréscimo.
É com esse sentimento que a torcida desce a rampa do estádio e se aproxima do placar. Mas nesse jogo não tem o que marcar, apenas registrar.
- Ricardo Aleixo, “Geral”, in Pesado demais para a ventania. São Paulo: Todavia, 2018, p. 181
- Bordões populares ditos em um jogo de futebol.
- Lema do time chileno de futebol cujo nome é Palestino.