35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
Entrada gratuita
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Registro da visita em obra de Denilson Baniwa. Foto: Danilo Pera

Aqui, onde deságua o rio

água mole em pedra dura
tanto bate até que fura

Neste cubo de concreto, as janelas são amplas e possibilitam olharmos para fora, mas será possível uma presença que perfure as paredes do Pavilhão? A estrutura branca, as pilastras extremamente calculadas, a parede que apaga os rastros da terra e da feitura manual dos trabalhadores que aqui estiveram, é possível tornar essas paredes porosas? 

“Você sabe o que existia aqui antes de ser parque?” Ypy-ra-ouêra,1 palavra que tem origem no tupi-guarani com significado próximo a pau podre, nomeia a região por ser uma área de brejo. Então, se aqui é lugar fértil de encontro de águas, começar uma conversa perto do rio, trazer sua presença para o meio da roda, pode nos aproximar de outras camadas. O córrego do Sapateiro foi o condutor, colocado no centro como corpo de resistência. A água mole que ainda bate, que dança, que curva, que corre, que umedece, que coreografa. 

Seis envelopes guardavam trechos de falas de artistas da 35ª Bienal. Utilizar essa metodologia foi intencionar metaforicamente um mergulho coletivo no rio e no que ele poderia nos contar, como se pudéssemos mexer na terra do fundo, ver a água ficar barrenta e ela então nos contar novas histórias. 

água mole em pedra dura
tanto bate até que ocupa 

Nós nos encontramos com o trabalho de Ibrahim Mahama,2 adentramos o Parliament of Ghosts [Parlamento de fantasmas] (2023), e ocupamos seus degraus… A obra nos contata com a feitura dos elementos ali dispostos: o barro que é moldado, os tijolos que são dispostos, as madeiras que são cortadas e conectadas, o ferro que foi extraído. O que se faz no coletivo é também utilizado coletivamente, as mãos que fazem também podem continuar transformando esses espaços, mesmo aqueles anteriormente arquitetados pelo pensamento colonial.

Denilson Baniwa nos convida a entrar em sua obra Kaá (2023), plantação de milho feita em conjunto com pessoas do povo Guarani. Ao observarmos as pedras com desenhos que misturam animais e objetos da modernidade, conversamos sobre como aquele tipo de registro foi e ainda é considerado algo primitivo, algo de um tempo imemorial, ao mesmo tempo em que “o que se inscrevia em pedras geralmente eram leis, aquilo que não podia esquecer”. O artista escolhe contar histórias da cosmogonia do povo Baniwa e do contato com os brancos neste formato: escrever em pedra, relembrar, não esquecer, grafar em um material da natureza.

água mole em pedra dura
tanto bate até que… 

O último movimento do trajeto: o que se abre em roda do lado de fora do Parque se abre novamente no trabalho de Edgar Calel.3 Em Xar – Sueño de Obsidiana [Sonho de Obsidiana], (2020-2022), o artista caminha pelo Pavilhão acionando a tecnologia da transmutação, ativando os sentidos de seu corpo como onça, para entrar em contato com um tempo anterior. Em Nimajay Guarani (The Big Guarani House), [A grande casa guarani] (2023), ele nos transporta para um espaço que, inicialmente, contrasta com o Pavilhão: as paredes de barro, o movimento dos corpos, o fogo, a música, todos esses elementos em uma movimentação que flui a partir e através da coletividade. 

A finalização não poderia ser em outro espaço que não na série Mangue (2023), de Rosana Paulino. Se nos propomos a aprender com a coreografia do córrego do Sapateiro, que deságua e molha esta área que ainda se quer como várzea, caminhamos até esse trabalho que coloca o mangue como espaço central de aprendizado, de beleza, inspiração e enigma. O mangue é, ao mesmo tempo, espaço de decomposição e berçário, assim como a várzea. Lugares de encontro de muitas espécies, tecnologias de comunicação, convivência coletiva e funcionamento de grandes ecossistemas. Voltar o olhar ao mangue inspira a voltar o olhar para a várzea que esteve aqui neste território.

 

    • Fez parte da pesquisa para a visita o livro Crônicas de São Paulo: Um olhar indígena (2004), de Daniel Munduruku, no qual o autor interpreta lugares da cidade a partir da influência indígena.
    • Citação de um dos envelopes da visita: “É importante reconhecermos realmente essa ideia de trabalho prolongado, o fato de que às vezes desfrutamos de nossas liberdades e autonomias às custas dos outros”, Ibrahim Mahama para Time Sensitive [Sensível ao tempo], em 27 de janeiro de 2020.
    • “No lugar onde moro, todas as manhãs, quando acordo, encontro meus parentes em volta do fogo, naquele lugar quente que esfregamos nossas mãos e esperamos que comece a ferver o café; enquanto isso acontece, há sempre alguém da família que começa a compartilhar imagens e cenas de sonhos que teve…”. Edgar Calel para Silo Residência Artística, 2018.