35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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Vista de obras de Jesús Ruiz Durand durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Jesús Ruiz Durand

Entre 1969 e 1974, Jesús Ruiz Durand produziu uma série de cartazes para divulgar a Reforma Agrária iniciada pelo governo do general Velasco Alvarado no Peru. Sob a noção de pop achorado – expressão que significa “rebelde, insolente, sublevado, indignado, vulgar, colérico, insurgente, insubmisso” –, esse estilo gráfico inspirou-se na população indígena que estava rompendo com a submissão escravagista que, durante séculos, fizera das propriedades rurais peruanas e da relação entre os pongos e os gamonales1 um viveiro de crueldade. 

Através de seu trabalho na Direção de Promoção e Difusão da Reforma Agrária (DPDRA), Ruiz Durand viajou por todo o país, fotografando e conversando com camponeses de língua quíchua que recuperavam suas terras. Desenvolveu uma técnica que consistia em fragmentar a imagem por meio de um processo de solarização (ou efeito sabattier), distribuir cores planas por áreas, enquadrá-las como histórias em quadrinhos e imprimir em offset usando o processo de quadricromia. Ao experimentar com pontos e tramas, ele investiu um contorno de fosforescência, vitalidade e otimismo nos corpos indígenas, que pareciam sair da sala de espera da história, incinerando as bases simbólicas e materiais da servidão e da expropriação no Peru. 

Por meio da estilização de uma antiga ilustração escolar do rosto de Tupac Amaru II, Ruiz Durand desenhou o logotipo da Reforma Agrária, que foi a figura central de dois cartazes, um amarelo e outro azul. Ao eclipsar a silhueta de frente e de perfil, inserindo-a em composições geométricas e reverberações ópticas e cromáticas, Ruiz Durand dinamizou o rosto de um dos líderes da mais feroz insurgência andina do século 18 contra a invasão espanhola, dando-lhe uma fisionomia vibrante que podia sofrer mutações, multiplicar-se e iluminar-se por meio de sobreposições e efeitos de luz. Por meio de uma síntese formal cinética, ele sincronizou o messianismo anticolonial de Tupac Amaru II com a revolução em andamento. 

Mas nos contornos ondulados e amarelados que envolvem os corpos dos camponeses exibindo ferramentas ou trabalhando a terra, também é possível ver a luz dos eclipses, sob a qual os habitantes do altiplano “caminham cheios de pressentimentos”, como escreve Arguedas. A Reforma Agrária, como uma continuação da guerra anticolonial por outros meios, foi e é um instante de perigo. Essa luz cintilante antecipa, em suas sombras, o murmúrio de violência que viria apenas alguns anos depois, com a guerra interna entre o Sendero Luminoso e o Estado peruano. Ela retém a raiva sem fim do pongo, “aquela raiva que arde na semente de seu coração, como um fogo que não se apaga”.

fernanda carvajal
traduzido do espanhol por ana laura borro

Jesús Ruiz Durand (Huancavelica, Peru, 1940. Vive em Lima, Peru) é matemático, pintor, gravurista e designer gráfico. Estudou pintura na Escuela de Bellas Artes del Perú e cinema de animação na New York University. É professor de design eletrônico, estética contemporânea e estudos culturais. Seu trabalho cinético faz parte de coleções públicas, como o MoMA (Nova York, EUA) e o Museu Hermitage (Moscou, Rússia).

1. Pongos eram os camponeses e indígenas que trabalhavam como criados nas fazendas no Peru e os gamonales eram latifundiários da região serrana, que em geral exploravam a força de trabalho dos pongos num regime de servidão muito parecido com a forma feudal. [n.t.]
2. José María Arguedas, “Carta a Hugo Blanco-1969”, in Hugo Blanco (ed.), La verdadera historia de la Reforma Agraria. Lima: Ediciones Lucha Indígena, 2009.