35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
Entrada gratuita
A+
A-
35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
Menu
Vista da instalação Pulmão da mina, de Luana Vitra Foto: © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Fazer caber, transbordar conversas – Visita com equipe do Museu das Favelas

No dia 16 de novembro de 2023, recebemos a visita de pessoas educadoras, estagiárias, pesquisadoras do Museu das Favelas, inaugurado em 25 de novembro de 2022, no centro da cidade de São Paulo. A visita passou por Marilyn Boror Bor, Maya Deren, Denilson Baniwa, Torkwase Dyson, Luana Vitra, Stella do Patrocínio, Quilombo do Cafundó, Rosana Paulino, M’barek Bouhchichi e por nós.

Eu sou muito medrosa, cínica,
covarde, sonsa, injusta,
eu não sei fazer justiça, não sei
como faz justiça, eu não sei fazer1
– Stella do Patrocínio

 

Stella do Patrocínio silenciou a visita. Primeiro o desencontro − coisa que geralmente acontece quando chegamos no meio de uma conversa sem contextos. Depois, enquanto tudo se assentava em uma porosidade sempre curiosa, os corpos pareciam se esforçar em busca de fazer caber o que ela dizia. Deixá-la chegar. Por quase-cinco-minutos, ninguém parecia querer respirar. Medo de perder as palavras?

Difícil quando você não consegue ver aonde chega com as pessoas, se chega com elas, principalmente quando elas acham que precisam cumprir com espécies de correspondências operacionais sobre aquele encontro. Ah, protocolos de educação… Encontros entre pessoas que entendem o jogo e, por isso, tentam estabelecer cumplicidade…

Stella ficava em uma sala circular e escura, no andar azul. Para acessá-la, era inevitável encontrar o Templo de Oxalá (1977), de Rubem Valentim, seja por ser convidado a encarar as esculturas/presenças/totens, seja porque, desavisado, você ultrapassou a faixa que se fazia barricada de proteção acionada com o recurso vocal de quem ali trabalhava. — Não pode ultrapassar a faixa!

II 

Quinta-feira quente em São Paulo. Paramos para beber água no ponto de distribuição da Sabesp2 que ficava no espaço da Cozinha Ocupação 9 de Julho – MSTC. Ali, alguém falou sobre contradição. Uma visita é um eterno recalcular quando se está disponível para aquilo que está fora, aquilo que rompe as formas que condizem com performances já esperadas sobre encontros assim. Ficamos. Embaixo da faixa “Quem ocupa cuida”, conversamos sem tanta preocupação com as mais de mil e cem histórias que poderíamos testemunhar acontecer, afinal, de certa forma, elas estavam naquela conversa. 

 

Saímos da sala, e Stella seguia ecoando, querendo falar, lembrei de Lélia Gonzalez, “O lixo vai falar, e numa boa”.3 Do lado de fora, todas foram imediatamente em busca da legenda, como se dela pudessem ser alimentadas de algo ainda sem nome para dar conta do incômodo de não saber. Mas sabiam sobre Stella, sabiam que um de seus verdadeiros nomes era reino dos bichos e dos animais, que Stella quer dizer estrela-do-mar, que ela queria dar a vida por alguém, fazer seu papel de doutora, que bala de hortelã é boa para a garganta e que ela queria “um maço de cigarro, caixa de fósforo, chocolate e biscoito de chocolate”

 

III 

O azul nos pegou antes mesmo que a decisão de nos aproximar fosse pactuada coletivamente. Linhas azuis abraçando as colunas brancas do Pavilhão, um chão-tapete-caminho, flechas, passarinhos. Anil? Como se respira o pulmão da mina? “Uma oração”, vai nos dizer Luana Vitra sobre seu trabalho. 

A aridez do dia quente, naquele espaço também quente, some, para que falemos sobre tecnologias, sobre cura sem falar como, sobre oração sem reza nenhuma. 

 

Deixei que fizessem suas leituras e, então, voltaram os olhos curiosos para mim, como se aquela expectativa que antes havia sido direcionada ao texto da legenda pudesse ser suprida por mim. Conversamos, como estávamos fazendo desde nosso primeiro “oi”, ainda no Parliament of Ghosts [Parlamento de fantasmas] (2023), de Ibrahim Mahama, no primeiro andar.

 

III

Como uma obra conta histórias e como contamos as histórias dela?

    • Medrosa − Ode à Stella do Patrocínio − Linn da Quebrada
    • Em três espaços distribuídos pelo Pavilhão e na área externa conhecida como varanda, era possível que as pessoas encontrassem postos com distribuição de água tratada para o consumo.
    • Lélia Gonzalez, “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, in Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. São Paulo: Diáspora Africana, 2018, p. 193.