35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Quais movimentos compõem as coreografias do impossível? – Movimento 3

Para a 35ª Bienal de São Paulo, as publicações educativas foram realizadas de modo processual, por meio de edições que se complementaram e se revelaram durante a construção das coreografias do impossível. Nossa proposta partiu da intenção de que esse conjunto de movimentos – modo como denominamos os volumes que compõem a série de publicações educacionais – fosse um convite e um chamado à ação, na qual as discussões, as práticas e as obras presentes ao longo da exposição constituíssem os elementos centrais na construção de conhecimentos que se baseiam em troca, compartilhamento, experimentação e estudo.

Com a chegada deste terceiro e último movimento, a dimensão performativa que fundamentou nossas metodologias de trabalho, assim como nossas compreensões sobre o projeto da 35ª Bienal, ganha novos contornos, com a possibilidade que se abre para discutirmos, abraçarmos e incorporarmos as experiências vividas.

Nesse tempo que se espirala, os relatos, os desafios e as ressonâncias que surgiram ao longo dos meses de exposição são fonte de conhecimento e de inspiração para movimentos contínuos de aprendizado. Como afirma o escritor, lavrador e poeta Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo, “a vida é começo, meio e começo”, e é mirando nesse ensinamento e tantos outros reunidos nesta publicação, que finalizamos o projeto da 35a Bienal com a convicção de que as coreografias do impossível não se encerram, mas se desdobram e se expandem. Tanto pela capacidade generativa da arte e dos efeitos imensuráveis presentes na relação entre o público, as obras e o espaço, quanto pelo que irá se abrir com o projeto das itinerâncias, em que fragmentos da exposição passarão a viajar para diversos museus e instituições culturais do Brasil e do mundo.

Esse desejo de “querer ficar continuando” se reflete na conversa sobre a infância que aconteceu entre a pesquisadora e ativista guarani Sandra Benites e as lideranças do Quilombo Cafundó, participante da exposição, Regina Aparecida Pereira e Cintia Aparecida Delgado. O debate que essas lideranças abrem sobre os desafios da educação em comunidades indígenas e quilombolas, a relação com o território e suas preocupações sobre “as crianças do futuro” encontra ressonância no depoimento de Carmen Silva, líder do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), quando ela declara: “Como mulher, contesto e mobilizo”. Ao debater a “falta efetiva de políticas públicas no âmbito da habitação”, Carmen compartilha suas reflexões sobre o movimento de moradia de onde nasceu a Cozinha Ocupação 9 de Julho – MSTC, cozinha comunitária que teve participação contundente nesta Bienal, ao nos ensinar na prática que “quem ocupa cuida”.

A “primeiríssima infância”, a juventude e um “currículo possível” também são temas da conversa entre Anna Luisa de Castro, coordenadora do Núcleo de Gênero e Diversidade da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, e Geni Núñez, ativista indígena, escritora e psicóloga. Com base no texto escrito por Geni para o segundo movimento,1 em que a autora comenta o livro Guia para lésbicas na escola católica, de Sonora Reyes, a conversa traz reflexões incontornáveis sobre gênero e sexualidade de uma perspectiva ancestral, do corpo e também da sala de aula, celebrando, como nos conta Geni, “a possibilidade do desvio”. Como o leitor e a leitora poderão perceber, algo que chama a atenção nesses três relatos é o modo como as autoras são críticas ao sistema educacional, particularmente quando o sistema educacional se torna sinônimo de controle, vigilância, normatização e uniformidade.

Essas violências têm raízes históricas e constituem a discussão central do texto “Educação e vigilância”, assinado pela Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda., uma empresa de performance formada por Antonio Gonzaga Amador e Jandir Jr., que se conheceram trabalhando como educadores em um museu. Os artistas estiveram presentes ao longo da 35ª Bienal. Camuflados como seguranças, surpreenderam o público ao mostrar como se confundem os papéis de educar, vigiar, orientar e cuidar.

Os “modos de aprender e ensinar em uma exposição de arte contemporânea” estão aqui reunidos também por meio daquilo que nos chega agora como um arquivo vivo. São relatos profundos, inspiradores e emocionantes das visitas temáticas realizadas pela equipe de mediação. São, ainda, testemunhos daquilo que foi coreografado além do Pavilhão e os passos dados com o curso de formação da equipe de mediação.

Para a curadoria, este arquivo é fundamental, pois apresenta o modo como as obras da exposição ganham múltiplas leituras evidenciando o trabalho indispensável da mediação em um projeto de uma Bienal. Considerando que as coreografias do impossível não obedecem a categorias, núcleos ou temas, esses exercícios críticos e criativos ganham também um caráter especial por tensionarem nós, encruzilhadas, vizinhanças e diálogos que as coreografias de percursos produziram no espaço. Questões do tipo “Como uma obra conta histórias e como contamos as histórias dela?” reverberam em Tailicie Nascimento com os relatos de Regiane Ishii em “A filha que vira uma ancestral da mãe − A beleza de um coro”; em Pietra de Ofa Cunha Serra com “Erês − Uma coreografia que começa na imaginação”; em Lia Yokoyama Emi e Ricarda Wapichana com “Uma jornada para a Floresta de infinitos”; em Bruno Costa dos Santos, Kennedy Maciel da Silva, Nivea Matias Silva e Rose Mara Kielela com o texto “Vadiação do impossível − Uma visita mediada pela Capoeira Angola”; em Malu Bandeira, Nivea Matias Silva e Yala Silva com a “Oficina de imaginação para Xica Manicongo”; em Camila Padilha Gomes com “Aqui, onde deságua o rio”; em Cristina Mena com “Descolonização cultural no cinema: quem conta nossa história?”; em Gabri Gregório Floriano e Iberê Terra Oliveira com a visita “Gênero: entre pessoas, documentos e outras espécies”; em Mira Lima com “Manto do invisível: mistério e memória em produções têxteis”; e em André Leitão e Danilo Pera com “de tabela”.

Os modos como nossas políticas do movimento desafiam os limites da ultravisibilidade para promover mudanças efetivas em nossas lutas constituem a maneira como nos orienta o Zumví Arquivo Afro Fotográfico e seu legado sobre a formação de um arquivo de memórias de resistências negras ou daquilo que eles nomeiam como um Quilombo Visual. Pensamentos que nos fazem concluir que, ao lidarmos com o inimaginável ou com aquilo que não tem precedentes, o que precisamos fazer é aprender a aprender.

Sem ir embora, a gente se despede com o Nêgo Bispo e seu saber circular.

Seguimos aprendendo.

Seguimos coreografando o impossível.

    • Geni Núñez, “Desviar para se encontrar”. In: Meu modo de pensar é um pensar coletivo antes de estar em mim já esteve nelas: publicação educativa da 35ª Bienal de São Paulo: coreografias do impossível. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2023, p. 42-51.