35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Vista da sala de Wifredo Lam durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Wifredo Lam

O artista cubano Wifredo Lam (1902-1982) realizou as ilustrações para a obra Fata Morgana (1941)1, do escritor francês André Breton, em um contexto de exílio político e de uma iminente jornada transatlântica. Os desenhos incluem o repertório visual característico que ele desenvolveu em obras posteriores: criaturas dotadas de chifres, cabeças em formato quadrado, luas crescentes com olhos e a figura de meio mulher, meio cavalo, que se tornou sua célebre femme-cheval interespécie, observada em Mujer sentada [Mulher sentada] (1949). Em sua obra, Lam dá ênfase à cultura negra por meio de uma sinédoque visual com a santería (também conhecida como Regla de Ocha e Lucumí), religião afro-diaspórica amplamente assentada em crenças e tradições iorubás, temperada com certos aspectos do catolicismo. Títulos como Le Sombre Malembo, Dieu du carrefour

[Malembo sombrio, Deus das encruzilhadas] (1943) identificam Malebo, centro de comércio de escravizados na África Ocidental, e Eleguá, um orixá ou deidade iorubá que é o guardião das encruzilhadas, representado por Lam com chifres e olhos redondos. Aqui, as encruzilhadas podem se referir à Passagem do Meio, assim como à jornada do artista em seu retorno a Cuba. É chave para essa obra o modo como ele decoloniza códigos representacionais, com figuras híbridas que deslocam as distinções entre homem/mulher, humano/animal, animal/planta e que desafiam sistemas de classificação ocidentais e divisões ontológicas.

Lam também dá corpo a esses deslocamentos em transmutações pictóricas que operam no nível do uso do material, como a tinta diluída em Omni Obini (1943) e seu aspecto de aquarela, que intensifica o deslocamento intencional da cor – azuis e verdes, com passagens de vermelhos, laranjas e amarelos – para animar as relações entre elementos de seus mundos pictóricos. Ao fazer isso, Lam utiliza a força vital dos orixás, seu aché, como método decolonial que flui através do humano, do animal e do vegetal, e que ele traduz visualmente não só em seres híbridos, mas também por meio de seu entrelaçamento com o entorno e da interpenetração de figura e fundo. Seu deliberado emaranhado de oposições também sugere como diferentes entidades podem se interligar em modos não hierárquicos para serem reciprocamente transformadas. No centro do que chamo de modernismo aché de Lam se encontra, portanto, a natureza cambiante da identidade e da corporificação, por meio da qual cruzamentos ontológicos e aberturas relacionais chamam a atenção para a vivacidade das relações entre os mundos material e imaterial.

kaira cabañas
traduzido do inglês por gabriel bogossian

Wifredo Lam (Sagua la Grande, Cuba, 1902 – Paris, França, 1982) foi um proeminente artista cubano conhecido por misturar distintas influências africanas, caribenhas e surrealistas. Sua obra incorporou uma fusão única de várias influências modernistas e explorou temas como identidade, espiritualidade e justiça social. O trabalho de Lam, feito predominantemente de pinturas, pode ser encontrado em coleções do mundo todo, incluindo de instituições como o Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Argentina), MoMA (Nova York, EUA), Centre Pompidou (Paris, França) e Tate Modern (Londres, Inglaterra).

Esta participação é apoiada por Institut français.

 1. A edição apresentada na 35ª Bienal é a seguinte: André Breton, Fata Morgana. Ilustrada por Wifredo Lam. Buenos Aires: Éditions des Lettres Françaises, 1942.