35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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i>How deep is the ocean? [Quão profundo é o oceano?], de Ventura Profana durante a 35ª Bienal de São Paulo © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Ventura Profana

É fim de tarde em um domingo ensolarado. Em um bairro residencial, crianças brincam na calçada, algumas com bola, outras de corda, algumas em casa no celular. Há homens e mulheres na frente das casas, conversando e olhando suas crias, filhas, sobrinhas. Em uma das casas há música enquanto o churrasco começa a beirar o início da noite. Em certo momento, uma criança aponta para o céu e anuncia: “Mãe, pai, vem aqui, rápido! O que é isso? Está voando?” Aos poucos, todos começam a olhar na direção indicada. Cegos por um brilho irradiante, veem se aproximar uma figura muito bonita, brilhante e dourada, resplandecente como o Sol, deslizando sobre brumas em direção ao chão. Ao se aproximar, a criança pergunta: “Você é Deus?”, e a resposta é clara: “Podem me chamar de Deize, tenho algo a dizer a vocês”1.

Ventura Profana é uma artista com práticas diversas, profeta gloriosa, pastora em sua função divinal. Ao produzir músicas, videoclipes, colagens digitais, instalações e fotografias, cria visualidades e performances de vida que edificam novos imaginários sobre religião e fé. Nesses imaginários, as existências que fogem aos controles tradicionais de gênero e de sexualidade são possíveis. As existências às quais a artista se refere são as travestilidades, guardiãs das fontes da vida, das florestas e dos mangues, aquelas que se fazem vivas em meio ao mar Morto, que são como os montes de Sião que não se abalam, guardiãs de ecossistemas e da vida sagrada. Em seu trabalho é possível reconhecer as corporalidades dissidentes como ponto de torção entre uma tradição inflexível e a criação de outras perspectivas emancipatórias. Em outras palavras, sua produção elabora modos de epistemologia crítica aos sistemas de verdades e crenças conservadoras e coloniais. Para isso, Profana realiza inversões e inserções nos recursos linguísticos, visuais e performáticos neopentecostais herdados do contexto familiar. Entre algumas de suas intervenções na ordem do discurso, ao substituir Senhor pela travesti, a artista coloca esse modo de existência como elemento central e disruptivo do pensamento tradicional, elaborando um discurso sem Senhor, tecendo tanto uma crítica aos dogmas neopentecostais, quanto antipatriarcal, quanto antimilitarista. Assim, é possível reconhecer que a produção de Ventura Profana clama por vida em abundância, ela mesma o corpo missionário que profetiza e louva por saúde, amor e liberdade para todas as travestis. No limite, sua produção artística amplia a percepção de que, ao fundar um mundo no qual a vida travesti é possível, todas as vidas serão possíveis, imersas em poder e glória.

maria luiza meneses

Ventura Profana (Salvador, BA, Brasil, 1993. Vive no Rio de Janeiro, Brasil) é pastora missionária, cantora evangelista, escritora, compositora e artista visual. Sua prática baseia-se na pesquisa das implicações e metodologias do deuteronomismo no Brasil e no exterior, através da difusão das igrejas neopentecostais. Profetiza multiplicação e abundante vida negra, indígena e travesti.

1.  Fabulação da autora sobre como poderia ser a descida de Deize à Terra, com base em referências visuais da artista. [n.e.]