35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de obras de Taller NN durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Taller NN

Impressa em Lima, em 1988, Carpeta negra [Pasta negra], do coletivo Taller NN, foi, na época de sua publicação, um dispositivo visual e textual insuportável tanto para a cultura oficial como para a cultura peruana de esquerda. Suas folhas ousavam tocar o intocável, manchando com uma maquiagem cromática monstruosamente sedutora os rostos míticos da revolução de um amplo espectro da esquerda, de Mao Tsé-tung a José Carlos Mariátegui, de José María Arguedas a Edith Lagos ou Che Guevara. Nelas estava impresso um código de barras, com o enigmático número 424242 (em referência ao número de telefone para o qual a população era incentivada a ligar a fim de fazer denúncias anônimas de pessoas suspeitas de terrorismo). A imagem do estudante Javier Arrasco Catpo, morto pela guarda civil durante um protesto em 1988, é o ponto de virada para outro conjunto de imagens, que mostram diferentes massacres – Guragay, El Sexto, Pucayacu, Uchuraccay e El Frontón –, e a palavra “Peru” é sobreposta a elas como uma marca-país. Imagens de valas comuns ou de corpos de jornalistas em sacos de lixo, extraídas do circuito anestesiado dos meios de comunicação de massa, também são coloridas como uma forma de lhes devolver a capacidade de gritar. Ambas as séries, os rostos individualizados da revolução e os corpos anônimos do massacre, são marcadas pelo capital, que inscreve seus signos nelas – o código de barras, o logotipo –, talvez como uma senha para o antigo nó entre capital e colonialidade, que precede e excede a cronologia do trabalho.

Carpeta negra constrói um dispositivo móvel de memória parcial e precária dos anos que fizeram do Peru um depósito de horror a céu aberto, atuando como chave para a nova fase de acumulação de capital em escala global. Mas, a partir da audácia de sua ironia antidogmática, sem um Estado ou um partido como interlocutor, o Taller NN gerou um dispositivo capaz de construir uma inter-relação com o tempo, em todos os tempos. O que acontece quando essas imagens olham para trás e entram em contato com o período anterior da Reforma Agrária (1969-1975)? Ou que imagem Carpeta negra devolve ao Peru hoje, nas revoltas que eclodiram de forma descentralizada em meio à população principalmente indígena e camponesa em dezembro de 2022, e que mais uma vez mostram uma ferida colonial, impossível de suturar?

fernanda carvajal
traduzido do espanhol por ana laura borro

Taller NN (Peru, 1988-1991) foi um grupo que realizou peças gráficas em reação aos massacres e desaparecimentos ilegais no país, por meio de usos corrosivos e dessacralizantes da iconografia comunista e do grito militante. Entre seus integrantes estavam  Alfredo Márquez (NN a-c-falo), Enrique Wong (NN detuchino), Alex Ángeles (NN acarajo), José Luis García (NN papalucho). Sua produção foi apresentada em exposições coletivas em espaços como o Museo Reina Sofía (Madri, Espanha) e o Museo de la Solidaridad Salvador Allende (Santiago, Chile). Fazem parte da coleção do Museo de Arte de Lima (Peru) e do Museo Reina Sofía (Madri, Espanha).