35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Vista da instalação Auto Sacramental Invisible. Una representación sonora a partir de Val del Omar de Niño de Elche durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Niño de Elche

Niño de Elche, que se identifica como “ex-flamenco”, compartilha com o “cinemista” Val del Omar uma inquietação transcendental e uma disposição experimental. A inquietação transcendental o incentiva a se aventurar em direção às margens da realidade social e política, colocando o canto flamenco em um lugar de envolvimento e denúncia, ou em direção à realidade vivenciada nas profundezas do carnal e do espiritual. Essa segunda busca, que durante séculos foi o domínio do religioso, pode entrar em conflito com a primeira e produzir confusões ideológicas e lamentações pessoais. Niño de Elche não os evita, assim como Val del Omar, que não conseguiu escapar de seu contexto, nos anos mais sombrios da ditadura de Franco, sob a ideologia católica nacional de inspiração falangista. Entretanto, sua criação não teve motivação política, mas foi visionária. A sua busca pelo absoluto o levou à produção de um cinema total, que ele chamou de “mecamística” e que consistia em uma série de invenções técnicas que foram patenteadas e que conceberam uma expansão do cinema por meio do transbordamento da tela, o som diafônico, a TactilVisión e outros, nos quais trabalhou até sua morte no laboratório PLAT. Auto Sacramental Invisible. Una representación sonora a partir de Val del Omar [Auto sacramental invisível. Uma representação sonora baseada em Val del Omar] (2021) é um projeto que revela a devoção de Val del Omar à experimentação acústica. Em seu título e estrutura, se refere aos autos sacramentales, peças teatrais com conteúdo alegórico, que reinterpretou para expressar suas obsessões: a água das fontes, o pecado original, a bomba atômica, a experiência de um tempo à margem da história, Granada como um caldeirão de culturas, entre outros. Em sua realização projetada, esse auto assumiu a forma de uma instalação sonora; o “invisível” refere-se à ideia de uma meia-luz que favorece a audição em um espaço iluminado apenas por lâmpadas votivas. Foi daí que Niño de Elche partiu, de uma escuta ativa, de uma leitura atenta do roteiro e de suas instruções de palco e do arquivo de som, composto por centenas de fitas cassete. As fonografias do “cinemista” atravessam o corpo do “ex-flamenco” em uma espécie de ritual de posse. A técnica vocal é colocada a serviço dessa experiência transcendental e poética, que não precisa se desprender do material para alcançar o invisível. A carne também é barro, a voz também é água, mas seu meio pode ser a eletrônica. O canto é transferido para o meio magnético (agora digital), torna-se concreto, realizando o sonho de Manuel de Falla (que havia especulado sobre a música mecânica e o som gravado como meios que possibilitam dispensar o intérprete). E a coletividade teatral desaparece do palco, mas se manifesta na multidão de vozes que compõem o palimpsesto do roteiro e na multidão de olhos e mãos que intervieram ao longo dos anos para tornar essa instalação possível. O teatral também é realizado no convite ao espectador para participar dessa outra coreografia não espetacular: aquela composta com os movimentos na escuta ativa de um som espaçado, sempre fugaz, como as lâmpadas e as imagens que contribuem para a invisibilidade. 

josé antonio sánchez
traduzido do espanhol por ana laura borro 

Niño de Elche (Elche, Espanha, 1985. Vive em Madri, Espanha) é músico e trabalha com performance, poesia e arte visual. Alguns de seus trabalhos mais importantes incluem o álbum Voces del extremo (2015), seu projeto Antología del cante flamenco heterodoxo (2018), além da instalação Auto sacramental invisible no Museo Reina Sofía (Madri, Espanha). Recebeu o Premio Gaudí a la mejor música original (2021), entre outros.

Esta participação é apoiada por Acción Cultural Española (AC/E).