35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Vista da videoinstalação de Morzaniel Ɨramari Urihi Haromatimapë [Curadores da terra-floresta] durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Morzaniel Ɨramari

Estamos diante de Watorikɨ – a casa dos espíritos –, uma presença rochosa que os não indígenas tentam traduzir pelas palavras serra do vento. Mas, a partir de agora, escutaremos a língua dos Yanomami ao longo de percursos traçados entre os sons das matas. Caminhos que Morzaniel Ɨramari, decide percorrer modulando as perspectivas a partir de sua cosmovisão. Nos filmes apresentados na 35a Bienal de São Paulo, Mãri Hi [A árvore do sonho] (2023) e Urihi Haromatimapë [Curadores da terra-floresta] (2014), o cineasta investiga a realidade dos sonhos dos Yanomami, para quem as dimensões dos mundos físico, onírico e espiritual se encontram intimamente conectadas a cada elemento da vida na floresta. Ou melhor, da terra-floresta – como costumam chamá-la –, pois é preciso que eles nos relembrem de que a floresta é o mesmo planeta compartilhado por todos nós. 

Nessa jornada sonho adentro, a voz-guia é soprada pelo corpo de Davi Kopenawa. O discurso, então, infiltra-se nos desvãos das imagens e materializa zonas de criação cuja existência seria impossível em registros literais ou etnográficos. Vemos vultos em meio à folhagem, as lentes não enfocam o óbvio; um brilho excessivo cintila de repente; a sensação do pó de Yãkoana. O que os Yanomami veem no sonho? “Outras coisas que vocês brancos”, diz Kopenawa. 

Se a fumaça lógica da colonização ameaça os Yanomami – garimpo ilegal, doenças e desmatamento –, ela também volta-se contra os não indígenas colonizando cada centímetro da vida, até mesmo as recônditas regiões dos sonhos, quantificando-os e algoritmizando-os para domesticá-los nas cidades. A filmografia de Ɨramari propõe visões desse mesmo-mundo-outro que os demais terráqueos insistem em ignorar, como quem foge às responsabilidades. No final de Mãri Hi, os esforços tradutórios fecham as rotas de fuga com a seguinte fala-sonho de Kopenawa, que surge na tela com um caderno na mão: “essas palavras foram traduzidas em outras línguas dos brancos e agora são capazes de entendê-las. Vamos compartilhar este pensamento para juntos ficarmos mais sábios”. 

igor de albuquerque

Morzaniel Ɨramari Yanomami (Demini, Terra Indígena Yanomami, RR, Brasil, 1980) é cineasta e tradutor. Já atuou como coordenador de comunicação na Hutukara Associação Yanomami e hoje viaja pelo mundo exibindo sua obra e promovendo o patrimônio e os direitos de seu povo. Entre seus filmes estão Casa dos espíritos – Xapiripë Yanopë (2010), Urihi Haromatimapë – Curadores da terra-floresta (2014) e Árvore do sonho (2023).