35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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2023
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Vista da obra ZUMBI ZUMBI ETERNO, de Julien Creuzet, durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Julien Creuzet

Poética da relação, obra do pensador martinicano Édouard Glissant, se inicia com “A barca aberta”, um texto curto mas denso, ao qual retornei muitas vezes desde que o encontrei há cerca de quinze anos. O ensaio termina com o seguinte trecho: “está, à frente da proa doravante comum, esse rumor ainda, nuvem ou chuva ou fumaça tranquila. Nós nos conhecemos na multidão, no desconhecido que não aterroriza. Nós gritamos o grito da poesia. Nossas barcas estão abertas, nós as navegamos em nome de todos”.1 Para mim, a obra de Julien Creuzet é uma escancarada, confusa e excitante barca aberta. Entrar em uma das instalações de Creuzet é dominar-se por cores, texturas e linhas – fios felpudos, plásticos neon, redes de pescadores, metais brilhantes, líquidos coloridos não identificados dentro de garrafas suspensas exatamente assim, entre outros elementos. É um assalto, é assustador em sua indecifrabilidade e cintilante em sua sensualidade. É mais um poema do que um ensaio; não há figuras sólidas, apenas contornos de coisas. Onde os objetos são decifráveis, como em seus vídeos, eles se reúnem em combinações inusitadas, rebatendo uns nos outros, alterando seus significados, associações surgindo e lembrando a “sopa de signos” de Benitez-Rojo.2 

Tudo isso é deliberado, obviamente. Creuzet está comprometido com uma cadeia interminável de referência que invoca “a multidão” do pensamento e da experiência pan-africanista. Seu trabalho nos lembra que muito é compartilhado pela diáspora africana, mas muito não é. O conceito de negritude está relacionado, mas não é o mesmo que o conceito do Black Power. Seria a Mami Wata [Mãe Água] do Haiti, a Mami Wata da Louisiana? Mami Wata é a Yemayá de Cuba? A Iemanjá do Brasil? Seria a River Mumma da Jamaica? Essas recorrentes mulheres surgidas das águas, com sua cauda de peixe, em si mesmas uma espécie de entrecruzamento, agrupando-se como “nuvem ou chuva ou fumaça tranquila”, gotículas suspensas no ar, ligadas por algo invisível, elusivo, mas inegavelmente perceptível. Creuzet não aceitaria isso de outra maneira. A exigência de transparência é por vezes violenta, porque não se deleitar na opacidade do outro, de si? Afinal, se você pudesse adentrar a instalação de Creuzet e saber exatamente o que ela é, consumindo e digerindo sem maiores consequências, afinal, seria tão bom? Você a sentiria de modo tão profundo? Acho que não. Melhor demorar, vagar, deixar seus pensamentos voltarem – se sobre si mesmos, estabelecer associações livres, dialogar com um amigo. Prazeres além do que você pode imaginar te aguardam. 

nicole smythe-johnson
traduzido do inglês por naia veneranda

Julien Creuzet (Le Blanc-Mesnil, França, 1986. Vive em Montreuil, Seine-Saint-Denis, França) desenvolve uma prática multidisciplinar que entrelaça formas poéticas, sensoriais e sociais por meio de combinações de escultura, instalação, vídeo, som e intervenção textual. Realizou exposições individuais em espaços como Centre Pompidou e Palais De Tokyo (Paris, França). Participou de mostras coletivas no Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris (França), Momenta Biennale de L’image (Montreal, Canadá), Frestas – Trienal de Artes 2020/21 (Sorocaba, SP, Brasil), Manifesta 13 (Marselha, França) e 12th Gwangju Biennale (Coreia do Sul).

Esta participação é apoiada por Institut français.

1. Édouard Glissant, Poética da Relação (1997). Tradução de Marcela Vieira e Eduardo Jorge de Oliveira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021, pp. 20-30.
2. Ver Antonio Benitez-Rojo, The Repeating Island: the Caribbean and the Postmodern Perspective. Durham: Duke University Press, 1997. (Tradução livre).