35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Vista de obras de Ilze Wolff durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Ilze Wolff

A “prática do cuidado” é um exercício de recusa que gera consideração, generosidade e convívio em determinadas condições que, de outro modo, seriam representadas como abjetas. A prática do cuidado de Ilze Wolff tem início com o reconhecimento das relações espaciais, seguido de um processo de revelação do inesperado e do estranhamente familiar entre os resíduos, detritos, condições esgotadas, recursos exauridos e detalhes e existências negligenciados na vida cotidiana. Esse tipo de cuidado constitui uma recuperação da história, do indivíduo, das epistemologias e da liberdade que a priori se associam à colonização e ao esclarecimento europeus. É uma produção cultural do previamente inimaginável ainda que conhecido, e que produz um tipo de poesia não romantizada, nem fetichizada ou sentimentalista. 

No fim da década de 1970, o projeto e a construção do Centro Comunitário de Steinkopf foram encomendados pela empresa anglo-americana de extração de platina, cobre, diamantes, carvão térmico e minério de ferro no território sul-africano. A cidade de Steinkopf, na África do Sul, foi fundada em 1817 pela London Missionary Society como uma missão religiosa dirigida ao povo nativo San, do noroeste do país. A população da cidade, na época da construção do centro comunitário, era de aproximadamente 6 mil pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, pois grande parte dos homens vivia e trabalhava nos campos de mineração na província do Cabo Ocidental. “A intenção foi proporcionar um edifício convidativo, que acomodasse todas as necessidades das pessoas e que também abrisse mais opções ambientais para a comunidade. Ele foi projetado para servir à comunidade e não o contrário.” 1 A ironia dessa afirmação e do projeto arquitetônico não se perde no Hophuis, de Ilze Wolff, palavra africâner que se traduz em inglês como hop house [casa do lúpulo]. No entanto, utilizando narrativa pessoal, música e som, história fotográfica, representações arquitetônicas e elementos da ecologia natural do local, a instalação de Wolff revela uma “coreografia de cuidado e convívio” que sobrevive às vicissitudes da repressão religiosa, do racismo sistêmico e da exploração e extração econômicas. Wolff revela como esse edifício é testemunha de saberes, memórias e histórias nativas locais de alegria, libertação, apoio mútuo e solidariedade dessas pessoas que usaram o centro como espaço de reunião e local de resistência. 

mario gooden

1. Architecture SA, primavera 1980, p. 13.

Ilze Wolff (Cidade do Cabo, África do Sul, 1980. Vive em Cidade do Cabo)  trabalha com arquitetura, idealizando exposições, filmes e intervenções públicas. É cofundadora da plataforma Pumflet: Art, Architecture and Stuff, que trata de imaginários sociais e espaciais negros e tem destaque em várias outras plataformas como a da Chicago Architecture Biennial (EUA) e LUMA Arles Afriphon (França). Publicou Unstitching Rex Trueform: The Story of an African Factory (2017).