
Ilze Wolff
A “prática do cuidado” é um exercício de recusa que gera consideração, generosidade e convívio em determinadas condições que, de outro modo, seriam representadas como abjetas. A prática do cuidado de Ilze Wolff tem início com o reconhecimento das relações espaciais, seguido de um processo de revelação do inesperado e do estranhamente familiar entre os resíduos, detritos, condições esgotadas, recursos exauridos e detalhes e existências negligenciados na vida cotidiana. Esse tipo de cuidado constitui uma recuperação da história, do indivíduo, das epistemologias e da liberdade que a priori se associam à colonização e ao esclarecimento europeus. É uma produção cultural do previamente inimaginável ainda que conhecido, e que produz um tipo de poesia não romantizada, nem fetichizada ou sentimentalista.
No fim da década de 1970, o projeto e a construção do Centro Comunitário de Steinkopf foram encomendados pela empresa anglo-americana de extração de platina, cobre, diamantes, carvão térmico e minério de ferro no território sul-africano. A cidade de Steinkopf, na África do Sul, foi fundada em 1817 pela London Missionary Society como uma missão religiosa dirigida ao povo nativo San, do noroeste do país. A população da cidade, na época da construção do centro comunitário, era de aproximadamente 6 mil pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, pois grande parte dos homens vivia e trabalhava nos campos de mineração na província do Cabo Ocidental. “A intenção foi proporcionar um edifício convidativo, que acomodasse todas as necessidades das pessoas e que também abrisse mais opções ambientais para a comunidade. Ele foi projetado para servir à comunidade e não o contrário.” 1 A ironia dessa afirmação e do projeto arquitetônico não se perde no Hophuis, de Ilze Wolff, palavra africâner que se traduz em inglês como hop house [casa do lúpulo]. No entanto, utilizando narrativa pessoal, música e som, história fotográfica, representações arquitetônicas e elementos da ecologia natural do local, a instalação de Wolff revela uma “coreografia de cuidado e convívio” que sobrevive às vicissitudes da repressão religiosa, do racismo sistêmico e da exploração e extração econômicas. Wolff revela como esse edifício é testemunha de saberes, memórias e histórias nativas locais de alegria, libertação, apoio mútuo e solidariedade dessas pessoas que usaram o centro como espaço de reunião e local de resistência.
mario gooden
1. Architecture SA, primavera 1980, p. 13.
- Vista da instalação de Ilze Wolff durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
- Vista da obra Oom Fanie se Klip [A pedra de Oom Fanie] de Ilze Wolff durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
- Vista da instalação de Ilze Wolff durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
- Vista da obra Oom Fanie se Klip [A pedra de Oom Fanie] de Ilze Wolff durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
- Vista da instalação de Ilze Wolff durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
- Vista da obra hophuis: a site of dance and solidarity [hophuis: um lugar de dança e solidariedade] de Ilze Wolff durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
Ilze Wolff (Cidade do Cabo, África do Sul, 1980. Vive em Cidade do Cabo) trabalha com arquitetura, idealizando exposições, filmes e intervenções públicas. É cofundadora da plataforma Pumflet: Art, Architecture and Stuff, que trata de imaginários sociais e espaciais negros e tem destaque em várias outras plataformas como a da Chicago Architecture Biennial (EUA) e LUMA Arles Afriphon (França). Publicou Unstitching Rex Trueform: The Story of an African Factory (2017).