35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Vista da instalação Samesyn, de Igshaan Adams, durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Igshaan Adams

A produção artística de Igshaan Adams consiste em produzir beleza a partir de materiais considerados sem muito valor, mas que estão profundamente ligados ao cotidiano das classes populares não brancas que ainda vivem nas chamadas townships sul-africanas.1 Seus trabalhos materializam experimentações por mulheres e homens trabalhadores, a partir da sua agência tensionadora do cotidiano marcado pela segregação racial, desigualdade e pobreza. Linhas urbanas bastante demarcadas fraquejam, envergam, ganham sinuosidade e desafiam linhas retas e rígidas impostas pelo regime do Apartheid e suas reminiscências na contemporaneidade. 

Bonteheuwel, fundada em 1960, é o local de nascimento e cenário das memórias de infância deste artista que viveu num lar muçulmano e cristão, influenciado por tradições múltiplas. As linhas que dividem rigidamente os dois lados da cidade inspiram Desire Lines [Linhas de desejo] (2022), obra que representa os atalhos criados por trabalhadoras e trabalhadores menos favorecidas que desafiam a dureza dos traçados urbanos. A tapeçaria, produção sul-africana tradicional, é a arte através da qual Adams materializa esses caminhos alternativos, rios, estruturas mediante as quais a urbe se (des)organiza. 

Essa tapeçaria é composta de objetos ordinários, miçangas coloridas, conchas, búzios, fios de arame, tecidos coloridos firmemente trancados, produzindo imensos tapetes multicoloridos. Além da tapeçaria, outras produções de Adams também demonstram esse esforço das classes trabalhadoras para enfeitar seu cotidiano, e, paradoxalmente, reafirmam e relembram seu lugar social, de alegria ou de dor, de pobreza e de esperança de dias melhores. 

É nessa beleza um tanto onírica, que revela sentidos tanto materiais quanto estéticos, que o artista protagoniza a agência das classes populares. Desses materiais empobrecidos − vistos como sem valor, comuns, que, se trouxessem vestígios da vida das elites seriam considerados relíquias, peças de museu −, Adams compõe flores, poeiras no ar resultantes de pessoas que dançam e se vestem com tecidos ecumênicos inspirados em objetos sagrados. O doméstico ganha significado sensível e íntimo, ultrapassando a realidade e ganhando formas impensadas, quase impossíveis. 

luciana brito

1. Áreas criadas durante o Apartheid para confinar negros e mestiços.

Igshaan Adams (Bonteheuwel, Cidade do Cabo, África do Sul, 1982. Vive na Cidade do Cabo) é um artista que combina performance, tecelagem, escultura e instalação em seu trabalho. Ele se baseia em sua origem para contestar fronteiras raciais, sexuais e religiosas. Suas tapeçarias em larga escala relembram movimentos, danças e caminhos que inscrevem histórias pessoais e coletivas. Seu trabalho foi exposto no Kunsthalle Zürich (Suíça), Zeitz Museum of Contemporary Art Africa (Cidade do Cabo, África do Sul) e 59ª Bienal de Veneza (Itália).