35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Detalhe de obra Transparencies for Gigs [Transparências para apresentações], de Gloria Anzaldúa durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Gloria Anzaldúa

A importância da obra de Gloria Anzaldúa (1942-2004) se encontra na radicalidade de suas contribuições para o pensamento crítico dos estudos decoloniais, feministas e da sexualidade, sobretudo ao incluir a geografia como categoria de diferença social. Professora, escritora e ativista, Anzaldúa denuncia e questiona as violências às quais estão submetidas as pessoas que nasceram e habitam territórios e culturas de fronteira, sobretudo mulheres “de cor”1 do terceiro mundo. A fronteira de que Anzaldúa trata é aquela que divide os Estados Unidos e o México, atual estado do Texas, faixa que foi “comprada” pelos Estados Unidos em 1848, por meio do Tratado Guadalupe Hidalgo. Nascida nesse contexto, a autora articula a fronteira como espaço geográfico em disputa e como metáfora para a experiência social das pessoas que cotidianamente são pressionadas a escolher uma identidade única, mesmo que suas realidades sejam constituídas pelo encontro entre culturas. 

Exposto na 35ª Bienal de São Paulo, um dos desenhos por meio dos quais Anzaldúa elabora sua teoria em forma de imagem apresenta uma serpente roxa e sinuosa com uma enorme boca a morder uma maçã. Abaixo do desenho, escrita em vermelho, a frase: “O proibido”. De imediato o desenho remete à cena com a serpente mais conhecida na história cristã ocidental. No entanto, aqui o fruto proibido invoca não o signo de repulsa e do temor cristão, mas o mais importante signo da América pré colombiana, a serpente que para Anzaldúa é “o símbolo do obscuro impulso sexual, o ctônico (o inframundo), o feminino, o movimento sinuoso da sexualidade, da criatividade, a base de toda energia e de toda vida”.2 A escolha por formular o pensar em visualidades tem origem mexica, cultura indígena ancestral de Anzaldúa e referência epistemológica, que “não separava o artístico do funcional, o sagrado do secular, a arte da vida cotidiana”.

Enquanto escrevo este texto, me deparo com a notícia4 de que os agentes de imigração dos Estados Unidos são orientados a atirar ao rio bebês e crianças imigrantes encontrados na fronteira do Texas com o México. Enquanto as políticas de vigilância e de genocídio ora criam, ora reencenam modos de manter a violência e o terror, as obras de Anzaldúa permanecem evocadas, atualizadas e em performance, nos relembrando de que “a guerra de independência é uma constante”.

maria luiza meneses

1. No inglês “women of color”. Ver Cherrie Moraga e Gloria Alzandúa, This Bridge called my Back: Writings by Radical Women of Color (1967), 4. ed., Nova York: State University of New York Press, 2015.
2. Gloria Alzandúa, Borderlands/La Frontera: La nueva mestiza, trad. de Carmen Valle Simón. Madri: Capitán Swing, 2016, p. 80. [tradução nossa ao português]
3. Ibid., p. 120.
4. “Agentes da imigração dos eua são orientados a empurrar crianças e bebês em rio na fronteira como México”, O Globo, 20 jul. 2023. Disponível em: oglobo.globo.com/mundo/ noticia/2023/07/20/agentes-da-imigracao-dos- -eua-sao-orientados-a- empurrar-criancas-e-bebes-em-rio-na-fronteira-com-o-mexico.ghtml. Acesso em: 24 jul. 2023.
5. Anzaldúa, 2016, op. cit., p. 55.

Gloria Anzaldúa (Raymondville, TX, EUA, 1942 – Santa Cruz, CA, EUA, 2004) foi poeta, escritora e teórica feminista. Obteve seu bacharelado na University of Texas-Pan American (atual University of Texas Rio Grande Valley) e seu mestrado em inglês na University of Texas at Austin. Seus poemas e ensaios exploram a raiva e o isolamento de ocupar as margens da cultura e da identidade coletiva. Ela é autora de vários livros de poesia, não-ficção e ficção infantil. Seu livro Borderlands/La Frontera: The New Mestiza (1987) e seu ensaio “La Prieta” são considerados trabalhos inovadores em teorias culturais, feministas e queer. Com Cherríe Moraga, Anzaldúa coeditou a antologia de referência This Bridge Called My Back: Writings by Radical Women of Color (1981).