35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de obras de George Herriman durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

George Herriman

“[…] é apenas uma sombra presa na teia desse carretel mortal. Nós o chamamos ‘gato’, nós o chamamos ‘louco’ […] Perdoem-no, pois vocês não o entenderão melhor do que nós que estamos deste lado da cerca.”

Com essas palavras, George Herriman (1880-1944) refletiu sobre a condição inescrutável de Krazy Kat. Em essência, a influente história em quadrinhos narra as desventuras de Krazy, um gato cujo sexo é incerto − a ambiguidade de seu gênero jamais foi esclarecida −, loucamente apaixonado pelo rato Ignatz. Esse amor não é correspondido por Ignatz; suas constantes agressões ao protagonista, no qual atira tijolos na cabeça, são mal interpretadas pelo felino, que as considera declarações de amor. Por sua vez, Krazy tem um admirador secreto, o cão policial Offisa Pupp, cuja vigilância constante do rato tem o objetivo de evitar essas agressões e prendê-lo quando as comete. 

Tudo em Krazy Kat parece querer superar as imposições tradicionais: a inversão de papéis entre o trio principal de personagens, o não binarismo de seu protagonista, a experimentação contínua na composição de suas páginas, as novas formas de linguagem criadas pelo autor etc. Mas o que coloca Herriman em um dos dois lados da cerca? A tensão no enredo de Krazy Kat deu origem a uma infinidade de leituras, sendo uma delas a biografia do autor, por meio de sua racialização. Alguns querem ver em Krazy Kat uma representação dos conflitos que Herriman enfrenta com relação a sua identidade, como homem mestiço em um mundo totalmente branco, sob as leis segregacionistas de Jim Crow.1 A ambiguidade, não apenas do gato, mas de toda a série, poderia revelar a dualidade entre ser ou não ser algo, o que se pode extrapolar para questões não apenas de raça, mas de gênero e de classe. 

Hoje, a releitura dessas obras permite vislumbrar Krazy Kat e George Herriman saltando e se movendo de um lado para o outro da cerca, rompendo os limites desse cercado e lançando os tijolos do rato Ignatz como mísseis para desarmar e desativar hierarquias e identidades. 

rafael garcía
traduzido do espanhol por ana laura borro

George Herriman (Nova Orleans, LA, EUA, 1880 – Los Angeles, EUA, 1944) foi cartunista. Além da série Krazy Kat, que o consagrou, criou personagens como Musical Mose, Professor Oto and His Auto, Acrobatic Archie, The Jolly Jackies, e Major Ozone’s Fresh Air Crusade. Sua primeira história em quadrinhos, Lariat Pete, apareceu em 1903 no San Francisco Chronicle.

1. Leis segregacionistas que vigoraram em vários estados do sul dos Estados Unidos entre os anos de 1877 e 1965. [n.e.]