Gabriel Gentil Tukano
O dedo da criação toca em mim e pulsa. É assim a luz dos Yepá Mahsã, Gente da Terra. Entre os mundos desenham a boca dos tempos em explosões seminais e espirais primordiais. O meu coração escapole e volta a viver. Fita o inverificável, habita o invisível. Tudo acontece no instante agora, entre movido e em arrancos. Corpo, pulsão, fricção, união. É o cosmo acontecendo fértil na saúde da terra.
Aqui o corpo do mundo está em gestação, transmuta-se e atualiza-se em todo e qualquer olhar que espia a presença, a escrita e o desenho do meu parente Gabriel Gentil Tukano (1953-2006). É um aceno que acontece. É um sopro quente. O mormaço da mata fala. Redemoinhos desenham no chão o prenúncio: não existe um metro quadrado sobre nossos pés que não seja criação sagrada de território ancestral. É perpétuo o que se cria em linhas.
Um corpo desenha.
E o traço ocorre quando a luz o revela. Uma luz que anda entre mundos criando outros mundos no centro dos inícios de todos os tempos, dos riscos e dos ritos primeiros. Na próxima luz, os meus olhos alcançarão as mãos do meu parente, pois o ponto é demarcado nos dois mundos, e o risco do nosso amor é alto, coisa de medicina forte.
Um corpo escreve.
Letras são desenhos amontoados que se transformam em sentidos e corpos, mas, uma vez organizadas a partir do pensamento universalizante do velho mundo, operam um habitar infértil, infante, gasto, venenoso e cadavérico.
Medicina forte não cura corpo que nasce morto.
Gabriel Mira. Desenha a mira. Mira e desenha. Ele é a mira. Seu corpo é o desenho e a continuidade de gestos sonhados aqui e agora, está à vista, está nas visões e nos sopros muito antigos. Continua a desenhar e mirar a ligação dos corpos antepassados que estão no futuro do mundo.
Reverência
São obras vivas!
Gabriel Gentil Tukano é o próprio desenho acontecendo entre os mundos.
déba tacana
Gabriel dos Santos Gentil, também conhecido como Gabriel Gentil Tukano (São Gabriel da Cachoeira, AM, Brasil, 1953 – Manaus, AM, Brasil, 2006), foi autor de livros sobre as tradições dos povos indígenas e atuou como professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Filho da etnia Tukano, população que habita parte do território amazonense banhado pelas margens do rio Uaupés, dedicou sua vida à salvaguarda do seu povo.