35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de obras de Elda Cerrato durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Elda Cerrato

O que são essas estranhas formas que vibram, se aproximam, se agregam? Células-tronco mutantes? Fragmentos de corpos celestes? Momentos de vida desconhecida? Máquinas orgânicas? Paisagens domésticas ou estelares?

Parece não haver figuração nem abstração na série de pinturas que Elda Cerrato (1930-2023) produziu após o nascimento do filho, em 1964, e que deu origem ao curta-metragem de animação RF: Segmentos_CPV: Okidanokh (1964-2022) – realizado em conjunto com Ramiro Larraín, Luis Zubillaga e Luciano Zubillaga. De fato, há uma rigorosa invenção de mundos. Desde seus primeiros trabalhos surge a questão do mistério da vida e da transformação da energia em suas formas mais insuspeitas, desconhecidas, secretas. Até certo ponto, essas imagens funcionam como investigações ou hipóteses, especulações ou alucinações, projeções esotéricas.

Mas e se conseguíssemos encadear alguns indícios que a artista deixa a nosso alcance para desvendar seu enigma? Os títulos fornecem pistas (as menções do Ser Beta, do Laboratório da Fonte Sagrada de Energia, Okidanokh) ao remeterem a visões de mundo alternativas, como a filosofia do Quarto Caminho, fundada por Georges Gurdjieff, da qual Cerrato e seu companheiro de vida, o músico experimental Luis Zubillaga, eram praticantes ativos desde os anos 1950.

Com a concretização em imagens de uma busca espiritual, nota-se um conhecimento preciso de bioquímica (curso que a artista completou integralmente) e a prática da observação ao microscópio.

Muitas dessas imagens também devem ser abordadas em uma chave erótica: iminência de conjunção entre órgãos, encontro, fusão, montagem, penetração, gestação. Sangue fluido. Órgãos pulsantes.

Essas imagens podem ser compreendidas como mapas e diagramas de uma viagem estelar até pousar na Terra, precisamente em uma América Latina abalada pela radicalização política que assolava o continente, onde se situa a série de pinturas e heliogravuras que a artista produziu nos anos 1970. Do Ser Beta à multidão nas ruas: esse é o trânsito que transfigura seu olhar partindo da busca interior ao mundo do entorno. A organicidade de seus mapas é a de um corpo vivo, que vai se alterando sem abandonar os rastros percorridos, mas retomando-os. “Visões de mundo como memórias de outros tempos”, diz Cerrato.1 Um exercício de memória e, ao mesmo tempo, projeção para o futuro.

O seu tenaz desejo de não aceitar convenções e de conhecer por seus próprios meios talvez seja a chave principal para nos aproximarmos de uma trajetória que ilumina desde as margens, o seu “estar à margem” das instituições ou de tendências artísticas hegemônicas. É essa capacidade de descentralizar e entrelaçar que nos incita a continuar em busca de formas para desvendar o enigma que Cerrato nos legou.

ana longoni
traduzido do espanhol por ana laura borro

1. Elda Cerrato, La memoria en los bordes: entrevista, dibujos. Buenos Aires: Nobuko, 2011, p. 7

Elda Cerrato (Asti, Itália, 1930 – Buenos Aires, Argentina, 2023) foi artista, professora e pesquisadora. Participou com pinturas, desenhos, gravuras, instalações, ações e filmes em mais de 150 mostras coletivas pelo mundo. Realizou trinta exposições individuais em espaços como Museo de Bellas Artes de Caracas (Venezuela), Museo de las Américas (San Juan, Porto Rico) e Museo de Arte Moderno de Buenos Aires (Argentina). Seus trabalhos fazem parte da coleção do Museo Reina Sofía (Madri, Espanha).