Duane Linklater
Os trabalhos de Duane Linklater jogam com conceitos de paisagem. Sabemos que o referido termo carrega o peso de um gênero histórico da pintura, além das complexas implicações presentes em uma de suas facetas: as representações dos espaços dominados produzidas pelos artistas via comissionamento dos colonizadores. Na relação sempre presente entre arte e sociedade, nessas representações podemos aferir, diante de nossos olhos, a vasta documentação dos processos de dominação junto à mudança simbólica e aplicada dos usos dos territórios. Não me refiro a todo tipo de paisagem, mas àquelas que mais genuinamente se apresentam como campo aberto ao alcance da visão, a violenta representação do que é tornado posse.
Linklater se propõe a pensar a paisagem como experiência perceptiva da manifestação dos fenômenos naturais, como estado físico e espiritual dos seres atravessados pelas forças do mundo. Mas a referência e o peso da história oficial são importantes pontos a serem lembrados, pois os trabalhos do artista trincam a imagem frequentemente romantizada, embebida de nostalgia, ao questionar sua natureza original. Parecem mesmo habitar essa rachadura. Linklater se apropria de elementos da arquitetura moderna e contemporânea e os assimila em sua produção.
Para a 35ª Bienal de São Paulo, o artista apresenta uma série de pinturas que tensionam, a partir de um jogo entre forma e matéria, os legados nefastos dos sistemas escolares1 destinados a crianças indígenas – em funcionamento no Canadá entre 1880 e 1996. Nas composições que Linklater persegue desde 2015, quando inicia essa pesquisa, ele retoma as geometrias da capela Bishop Fauquier, construída com base no trabalho de crianças que frequentaram a Escola Residencial Indígena Shingwauk (com funcionamento entre 1873 a 1970). Além de obrigadas a fornecer o trabalho braçal nas construções, essas crianças realizavam sacrifícios quaresmais relacionados ao xarope de bordo. Como se lê no projeto apresentado pelo artista à 35ª Bienal, “As comunidades Anishinabek desenvolveram uma metodologia específica de produção de xarope de bordo com seu conhecimento íntimo das estações, da terra e de seus processos. Portanto, não apenas as crianças foram solicitadas a renunciar ao consumo de xarope, mas isso criou uma desconexão simbólica com essas práticas e metodologias comunitárias”. Divididas em nove partes, as geometrias da capela são manejadas com outros delineamentos feitos a partir de carvão, cochonilha, chá, tabaco e outros corantes que denotam o trabalho das crianças que edificaram a construção.
As pinturas que levam o título they have piled the stone / as they promised / without syrup [elas empilharam a pedra / como prometeram / sem xarope] seguem ecoando as perguntas do artista: Como podemos, como povos indígenas, viver, tomar decisões, falar, dançar e nos mover em contextos e lugares tão impossíveis?
emanuel monteiro
Duane Linklater (Omaskêko Ininiwak de Moose Cree First Nation, Treaty Nine Territory, 1976. Vive em North Bay, Canadá) é artista visual e curador. Sua prática explora as estruturas físicas e teóricas do museu em relação às condições atuais e históricas dos povos indígenas, seus objetos e abordagens dos materiais. Apresentou exposições individuais no Mercer Union (Toronto, Canadá), Frye Art Museum (Seattle, WA, EUA), Eli and Edythe Broad Art Museum e Michigan State University (East Lansing, MI, EUA), Utah Museum of Fine Arts (Salt Lake City, UT, EUA), e Institute of Contemporary Art (Filadélfia, PA, EUA).
1. O Sistema de Escolas Residenciais no Canadá foi um sistema violento e prolongado imposto pelo governo e pelas igrejas que o acompanhavam, criado especificamente para que crianças indígenas fossem separadas de suas famílias, aculturadas e colonizadas.