35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de SUMIDOURO n. 2 — diáspora fantasma de Diego Araúja e Laís Machado durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Diego Araúja e Laís Machado

“Quero me acabar no sumidô.”1

Esse dito popular remonta ao verso de um vissungo2 registrado em 1929 em Minas Gerais, e provavelmente entoado por todo território onde havia gente negra explorada. Sumir como oportunidade para embarcar em uma temporalidade na qual o lambá – desgraça do trabalho escravizado e seus encadeamentos seculares – não seja o único destino da vida negra. Cantar para uma desaparição produtiva que relaciona vida e morte não como oposições, mas como possibilidade de viver a vida outramente. É no rastro desse cântico que Sumidouro n. 2 – Diáspora fantasma se recusa a se entregar ao olhar que tudo revela. Apostando na opacidade formal de uma arquitetura monumental, a obra liga-se ao chamado ético dos trabalhos em parceria de Laís Machado e Diego Araúja ao emergir como plataforma e congregar artistas afro-atlânticos. Encantar-se no Sumidouro n. 2 é a oportunidade de estar na presença de trabalhos que, contrariamente às forças coloniais de desaparição, jamais deixaram de ser realizados em experimentações e linguagens próprias. Como em outros trabalhos em artes visuais de Araúja e Machado, a obra conserva funções cênicas, dessa vez em sua escala, e no jogo espectatorial promovido com a palha, matéria de funções litúrgicas, arquitetônicas e artesanais. Definida pel_s artistas como instalação-performer, a fantasmagoria que se performa não aparece como aposta surrealista de revelação do inconsciente, mas sim como possibilidade de dançar com tudo aquilo que foi sumido. Em movimento, Sumidouro n. 2 promove des/aparições; o que virá se revela em fragmentos, as obras abrigadas ofertam-se à apreensão integral e rítmica, mas não totalizante. É possível apenas contemplá-lo, mas, para estar no Sumidouro n. 2, demanda-se um corpo inteiro com qualidades da presença alarinjo – que, em iorubá, significa um corpo que canta e dança enquanto caminha, implicado no desejo de re/des/conhecer.3 Essa é uma plataforma sinuosa, na qual se destacam o pacto coletivo, a intencionalidade do rito e o desejo de intervir nas dinâmicas de desaparição.

cíntia guedes

Diego Araúja (Salvador, BA, Brasil, 1986. Vive em Salvador) produz arte de modo expandido. Suas mídias são literárias, visuais, cênicas e cinematográficas; exercendo funções de diretor, dramaturgo, roteirista e artista visual. Desde 2013 dirige o processo Estética para um não-tempo. Em 2017, fundou com a artista Laís Machado, a Plataforma ÀRÀKÁ. Em 2018, fez residência artística na Atlantic Center For The Arts (New Smyrna Beach, FL, EUA), onde criou a videoinstalação Oríkì das Araújas, experimentando vibrações sonoras sintéticas nos oríkì’s. Em 2020, fez residência artística na SAVVY Contemporary (Berlim, Alemanha).  

Laís Machado (Salvador, BA, Brasil, 1990. Vive em Salvador) é uma artista transdisciplinar, alárìnjó, feminista e pesquisadora. Juntamente com o artista Diego Araúja fundou o ÀRÀKÁ – Plataforma de criação em arte, um espaço transdisciplinar de pesquisa, criação, formação de redes e intercâmbios entre artistas negros. Sua pesquisa tem como foco o transe e o flow como ponto de partida para a criação de presenças em performances, além de um estudo decolonial da cena experimental contemporânea. É criadora, diretora artística e coordenadora do Fórum Obìnrín, uma residência artística para mulheres negras artistas transdisciplinares da América Latina em Salvador, Bahia.

Atualmente, a dupla de artistas está envolvida na fundação do Laboratório Internacional de Crioulo, projeto que se propõe a articular pontes de contato entre pessoas de países afro-diaspóricos para criar uma língua não nascida do trauma, desenvolvida a partir de experimentos corporais e ações coletivas.

1. “Ei ê lambá / quero me acabá no sumidô / quero me acabá no sumidô / lamba de vinte dia / ei lambá / quero me acabar no sumidô / Ei ererê.” Vissungo registrado em 1929, pelo filólogo e linguista Aires da Mata Machado Filho (1909-1985), em pesquisa sobre o repertório banto em Diamantina (mg), foi re(en)cantado pelo cantor e compositor Geraldo Filme (1927-1995) no álbum O canto dos escravos, de Geraldo, Clementina de Jesus e Tia Doca, Estúdio Eldorado, 1982.
2. Canto entoado por escravizados negros nas lavras de diamantes em Diamantina (MG) com palavras em português e línguas africanas. [n.e.]
3. Alarinjo foi também um termo usado por Laís Machado para definir sua prática performática em Artes Cênicas.