35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de obra de Deborah Anzinger durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Deborah Anzinger

Sempre considerei o trabalho de Deborah Anzinger essencialmente relacionado à sintaxe. Isto é, a estrutura da linguagem, tanto a linguagem verbal quanto a visual. Seu trabalho convida a pensar as relações que produzem a linguagem − a relação entre sujeito e objeto, o eu e o outro, masculino e feminino, natural e artificial; binários que se opõem e se constituem mutuamente. Esses conceitos, aqui identificados por seus descritores verbais, são fundamentados no material da obra de Anzinger, e uma materialidade rigorosa pode ser considerada o segundo princípio em torno do qual sua prática se organiza.

As pinturas de Anzinger se recusam a permanecer nas paredes, não se rendendo à suposta bidimensionalidade da tela. Elas insistem em se projetar, refletir, crescer e se retorcer nas telas não esticadas. Nelas, encontramos linhas e gradientes pintados à mão tão perfeitamente processados que parecem digitais, plantas vivas crescendo a partir de isopor sintético mortal e espelhos que transformam o observador em observado. No universo de Anzinger, linhas e pinceladas tornam-se esculturas, íris tornam-se línguas. Onde deveria haver um buraco, há um desenrolar. O trabalho da artista está sempre forçando os opostos a se unirem, desestabilizando nosso pensamento binário e a taxonomia, exigindo, em vez disso, o reconhecimento de uma terceira via escorregadia, lúdica e sensual.

Especificamente neste corpo de trabalho, concluído entre 2016 e 2019, o foco de Anzinger está voltado para o trabalho reprodutivo: sua sensualidade, sua fecundidade, mas também sua violência. O cabelo crespo sintético da obra An Unlikely Birth [Um nascimento improvável] (2018) constitui uma referência inconfundível à negritude, assim como os desenhos de linhas pretas que perturbam a paisagem abstrata, aparentemente em processo de vir a existir. Como mulher negra, nascida e criada no Caribe, Anzinger está atenta às formas como a negritude é frequentemente excluída ou circunscrita à subserviência em representações da região. A pintura rompe o tipo de paleta que normalmente se associa ao Caribe (alegres céus azuis, a o típico azul-esverdeado do mar do Caribe e gramados verdejantes), com rabiscos desenhados em forma de seios, símbolo máximo de nutrição e sexualidade; e, segurando folhas com formato de mão − lembrando-nos que a natureza tem a própria subjetividade −, um agente que toma − como fazem anualmente os furacões nessa região − tanto quanto fornece. E então, é claro, aquela mecha de cabelo preto crespo. Não exatamente na pintura, é uma espécie de excedente em que as plantas de aloe vera, reconhecidas por suas qualidades curativas, crescem a despeito de todas as probabilidades, do poliestireno hostil que obstrui os cursos-d’água envenenando a fauna. Essa, eu diria, é a questão principal de Anzinger, mesmo nas condições mais inóspitas o que é curativo cresce, e mesmo em lugares de beleza inspiradora a violência espreita.

nicole smythe-johnson
traduzido do inglês por naia veneranda

Deborah Anzinger (Kingston, Jamaica, 1978) trabalha com pintura, escultura e vídeo. Seus trabalhos têm sido exibidos em espaços como Institute of Contemporary Art (Filadélfia, PA, EUA), Kent State University Museum (Kent, OH, USA),  Pérez Art Museum Miami (Miami, FL, EUA), National Art Gallery of The Bahamas (Nassau, Bahamas), National Gallery of Jamaica (Kingston, Jamaica). É fundadora do New Local Space (Kingston, Jamaica).