35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista da obra Con-junto de Daniel Lind-Ramos durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Daniel Lind-Ramos

De certa maneira, o trabalho de Daniel Lind-Ramos é algo extremamente local. Suas grandes assemblages encenam um encontro com sua cidade natal, Loíza, Porto Rico, área na qual são coletados os objetos que compõem sua obra.

Ao longo de décadas, os vizinhos o observaram vagar pelas ruas e praias da cidade, coletando e reunindo peças da vida comunitária. Acostumados com seu estúdio sempre aberto, alguns habitantes de Loíza levam para o artista itens que consideram interessantes, de um belo pedaço de cachimbo a utensílios de cozinha herdados de uma avó querida.

Essa especificidade geográfica não é insignificante. A cidade de Loíza é o célebre centro da vida afro-porto-riquenha, que tem a maior população negra da ilha. Fundada no século 16 por africanos fugitivos das plantações da então colônia espanhola, a cidade é o berço dos estilos musicais plena e bomba. Também é conhecida pela comida de rua, chamada localmente de frituras, e seu Carnaval anual, reconhecido pelas tradicionais máscaras de vejigante feitas com cascas de coco. Desse modo, a prática de Lind-Ramos constitui uma espécie de testemunho da história e do significado de Loíza, um primeiro plano da negritude de Porto Rico: “Cuidar de objetos é cuidar da memória”, arma Lind-Ramos. Ele preserva a memória nesses raladores, vassouras, cabaças e címbalos; memórias de criação alegre, de trabalho, de ancestralidade. Memórias que, de outra forma, poderiam se desvanecer ou ser apagadas.

Mas essa não é a história completa. Lind-Ramos armou certa vez sobre seu trabalho: “Minha intenção era encontrar uma linguagem, encontrar um processo, encontrar materiais que estabeleçam o vínculo entre nossa experiência coletiva…”. Essa experiência coletiva que ele menciona vai além de sua cidade e de seu estado natal. Falando sobre artistas afro-americanos de Los Angeles, que trabalharam nas décadas de 1960 e 1970, a historiadora de arte Kellie Jones argumentou que “a estética da assemblage” é de “ligação e conexão”.1 Ela também defende a história da forma na arte africana e sua estética vernacular e cotidiana, que fornece “uma justicativa para as pessoas negras reivindicarem as técnicas assemblage […] e as estratégias ordinárias de fazer beleza que foram permitidas às pessoas que se encontram à margem da sociedade”.2 Isso não poderia ser mais verdadeiro na prática de Lind-Ramos e vincula sua arte a um campo mais amplo da estratégia afro-diaspórica. Suas esculturas conectam-se no tempo e no espaço, assim como o cortejo carnavalesco que sua obra Con-Junto nos traz à mente. O Carnaval abrange Porto Rico, Trinidad e Tobago, Brasil, Nova Orleans e tantas outras partes da diáspora africana, ligadas por uma história de migração forçada e de violência, mas também de persistência, criatividade e inovação. Tanto o Carnaval quanto a assemblage, lindamente fundidos em seu trabalho são momentos da mais requintada criação de algo que poderia ter sido condenado a ser nada.

nicole smythe-johnson
traduzido do inglês por naia veneranda

1. Kellie Jones, South of Pico: African American Artists in Los Angeles in the 1960s and 1970s. Durham: Duke University Press, 2017, p. 69. (Tradução livre)
2. Ibid.

Daniel Lind-Ramos (Loíza, Porto Rico, 1953. Vive em Loíza) é pintor e cria esculturas-assemblagens. Suas obras foram exibidas em espaços como MoMA PS1, The Drawing Center (Nova York, EUA), National Gallery (Washington, DC, EUA), 3rd World Festival of the Black Arts (Dakar, Senegal), Museo de Arte Contemporáneo de Puerto Rico (San Juan, Porto Rico), Valparaíso Biennial (Chile), Santo Domingo Biennial (República Dominicana), Grand Palais (Paris, França) e Musée du Panthéon National Haïtien (Porto Príncipe, Haiti). Seus trabalhos estão em coleções como a do Museo del Barrio (Nova York, EUA) e Pérez Art Museum (Miami, FL, EUA).