35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de obras de Ceija Stojka durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Ceija Stojka

Somente quarenta anos após sua deportação é que Ceija Stojka foi capaz de fazer ressurgir de suas mãos a tragédia que foi seu mergulho, aos onze anos, no inferno do genocídio. Exumados dos limbos de sua memória, a perseguição e o genocídio nazistas foram a matiera prima de sua obra, composta de desenhos, pinturas e textos que impressionam por sua intensidade e sua extraordinária poética. Paradoxalmente, enquanto parte do povo Roma,1 Stojka é herdeira de uma tradição oral. Uma verdadeira desvantagem memorial e cultural quando se trata de dar conta do “genocídio esquecido” de que seu povo foi vítima. Sua escolha de “entrar” na pintura, no desenho e na escrita foi um ato de ruptura radical com sua tradição. Ligados, os três se cruzam e se entrelaçam, sem se fundir completamente. 

Muitos de seus desenhos e pinturas são marcados por palavras, signos e frases breves. Uma melopeia gráfica desenrola-se em uma obra cuja policromia confere às paisagens do desastre uma intensidade trágica. Seus trabalhos associam alucinações, antecipações visuais e os sinais desses territórios da morte e de seus protagonistas. Em suas paisagens, os olhares dos perseguidores e dos assassinos cintilam como prefigurações do inominável. Seu desenho conjuga os contornos nítidos dos mártires anônimos com os fantasmas dos ausentes, já dissolvidos na morte. 

Sua obra oscila do paraíso perdido da vida de antes ao tempo da caça, ao momento em que a carroça dá lugar ao vagão do “trem da catástrofe”, e termina nesse arquipélago onde “nem os mortos estarão seguros”.2 Ela configura a trajetória trágica desses corpos arrancados de suas humanidades e lançados no inferno do genocídio. Há algo do Inferno de Dante. Uma grande beleza transcende seu “não savoir-faire” em qualidade. 

philippe cyroulnik
traduzido do francês por celia euvaldo  

Ceija Stojka (Kraubath an der Mur, Áustria, 1933 – Viena, Áustria, 2013) foi artista, escritora e música. De origem romani, sobreviveu aos campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, a Ravensbrück e a Bergen-Belsen, experiência que trata em seus desenhos e pinturas. Gravou o álbum Me Diklem Suno e publicou os livros Wir leben im Verborgenen – Errinerungen einer Rom-Zigeunerin (1988) e Reisende auf dieser Wel (1992). Suas obras fazem parte da coleção do Museo Reina Sofía (Madri, Espanha).

1. Ceija Stojka pertencia a uma família Lovara Roma, grupo étnico tradicionalmente nômade que vive atualmente em diferentes regiões da Europa e falam variações da língua Romani. [n.e.]
2. Walter Benjamin, “Sobre o conceito de história – Tese V” (1940), in Walter Benjamin, O anjo da história, org. e trad. João Barrento. Rio de Janeiro: Autêntica, 2013.

Esta participação é apoiada por Federal Ministry Republic of Austria – Arts, Culture, Civil Service and Sport e Phileas – The Austrian Office for Contemporary Art.