35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Vista de obra de Bouchra Ouizguen durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Bouchra Ouizguen

A coreografia excede a composição do movimento no espaço; ela envolve o trabalho com o tempo, com a voz, com os afetos de quem assiste e com os invisíveis que flutuam entre as imagens na forma de palavras, memórias ou alusões furtivas. O coreográfico pode ocorrer no palco, mas também em um espaço público, ou numa tela de vídeo que mostra a ação de um grupo de mulheres num deserto. O coro de Corbeaux [Corvos] é formado por mulheres de diferentes idades e origens, algumas das quais são membros da Compagnie O desde seu início. Mas Fatna, Kabboura, Fatéma e Halima já eram profissionais antes de seu encontro com Bouchra, pois já haviam trabalhado como shikhat, dançarinas e cantoras que se apresentam em festivais e celebrações populares. Se a função de shikhat pode ser considerada subversiva por si só, devido à sua liberdade de abordar temas proibidos às mulheres em espaços públicos, em seu trabalho com Bouchra elas se desfizeram de seus trajes e máscaras espetaculares para expor seus corpos, treinados no aita e na dança popular, e construir situações de sororidade poética. Com um simples gesto, Bouchra e a Compagnie O produzem um deslocamento em relação aos modos hegemônicos da dança contemporânea, evitando ao mesmo tempo a exotização e a domesticação da tradição típicas do turismo cultural e de entretenimento. 

Nessa proposta coreográfica singular, a poesia árabe clássica constitui um elemento mobilizador, mas não ocupa uma posição privilegiada em relação ao canto berbere, o vigor criativo ou as experiências cotidianas dessas atrizes. É essa cotidianidade que é mostrada em Fatna, onde Bouchra materializa a ideia de uma dança que pode acontecer em qualquer circunstância, enquanto lê, cozinha ou conduz as ovelhas. Seu reverso é a ação coletiva e ritualizada em uma comunidade estendida que impressiona em suas apresentações ao vivo, não apenas pelos gestos e ritmos vocais repetidos, mas também pela força com que esse coletivo se manifesta, e que, em sua simultaneidade imperfeita, coexiste com a afirmação da singularidade de cada um dos participantes. Essa peça, em algum lugar entre a escultura viva e o ritual ao nível do solo, surgiu, segundo Bouchra, de um impulso, afetado pela beleza agitada do mercado de Marrakech. Voando para o deserto, esse bando de corvos [corbeaux] mostra toda a beleza, ao mesmo tempo sagrada e lúdica, dos corpos [corps beaux] graças à câmera que voa com eles e pousa nos detalhes como uma visão encarnada.

josé antonio sánchez
traduzido do espanhol por ana laura borro

Bouchra Ouizguen (Uarzazate, Marrocos, 1980. Vive em Marrakech, Marrocos) é bailarina e coreógrafa. Seu trabalho multidisciplinar tem sido apresentado internacionalmente tanto em teatros e festivais como em museus como Centre Pompidou (Paris, França), Tate Modern (Londres, Inglaterra), Brooklyn Museum (Nova York, EUA), Museo Reina Sofía (Madri, Espanha) e Power Station (Xangai, China). Criou Madame Plaza (2008), Ha! (2012), Corbeaux (2014), Ottof (2015), Jereda (2017) e Éléphant (2022).