35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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Vista de obra de Anna Boghiguian durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Anna Boghiguian

A obra de Anna Boghiguian compõe uma narrativa polifônica que se desdobra em desenhos, pinturas, dioramas, instalações e textos. Ao mesmo tempo, ela constitui um extraordinário instrumento de investigação histórica que, sem ceder em termos poéticos, é capaz de analisar contextos específicos, fragmentos de vidas individuais e um amplo espectro de fenômenos. É o caso de seu trabalho Woven Winds − The Making of an Economy – Costly Commodities [Ventos entrelaçados − A formação de uma economia – commodities custosas] (2016-2022), em que, por meio de desenhos, textos, colagens e recortes de papel, Boghiguian (re) conta a gênese e o desenvolvimento do comércio de algodão, atividade que tanto antecipa quanto profetiza a globalização atual da economia.

Malcom Ferdinand, especialista em ecologia política, prefere referir-se à nossa era com o termo Plantationceno – a era da plantation1 – para enfatizar as responsabilidades do colonialismo na atual crise social e ecológica. A obra de Boghiguian parece vir corroborar essa tese. De fato, diante de sua obra, o espectador vê-se imerso em uma história populada por escravizados do oeste da África, deportados para o Novo Mundo para trabalhar em plantations de algodão (entre outras), plantios esses que substituíram formas indígenas tradicionais de cultivo e de circulação de produtos a fim de abrir caminho para um modelo de produção extrativista e totalmente voltado ao lucro.

As dramáticas histórias dos escravizados se entrelaçam às narrativas sobre os imigrantes europeus. Boghiguian representa um navio no momento do desembarque de seu carregamento de europeus pobres (como os irlandeses, forçados a fugir da Grande Fome, ocorrida entre 1845 e 1849), aterrissados em solo estadunidense, para contribuir com a formação da grande riqueza daquela nação, que, como a artista menciona, deve muito ao cultivo do algodão e ao fato de que esse cultivo se organizou em torno da escravidão.

Viajante incansável, Boghiguian estudou entre Egito, Canadá e México. Sua produção apresenta uma forma de registrar realidade e contexto, jamais com um olhar distanciado. Ao contrário, a obra dessa artista é sempre posta com respeito às condições sociais do presente e, geralmente, inclui o questionamento sobre os eventos históricos que as produziram. Ao mesmo tempo, sua paixão pela pintura simbolista − Gustave Moreau e William Blake, por exemplo − emerge de uma veia surreal que é parte integral de sua poética, desconstruindo as linguagens oficiais do poder ao dessacralizar suas representações sagradas: um sonho alucinante e irônico no qual a artista move seu ataque poético em direção ao poder absoluto e a suas encarnações.

marco baravalle
traduzido do inglês por gabriel bogossian

1. Sistema de produção agrícola baseado em grandes latifúndios e monoculturas, em geral utilizando trabalho escravizado, praticado por países europeus em suas colônias na América, África e Ásia a partir do século 16. [n.e.]

Anna Boghiguian (Cairo, Egito, 1946. Vive no Cairo) parte de suas viagens e de estudos de diferentes manifestações artísticas para criar narrativas espaciais por meio de colagens, livros, desenhos, pinturas e instalações. Suas obras já foram exibidas em espaços como Museum der Moderne Salzburg (Áustria), New Museum (Nova York, EUA), 31ª Bienal de São Paulo (Brasil), La Triennial di Milano (Itália), Documenta 13 (Kassel, Alemanha). Seus trabalhos integram, entre outras, as coleções do MoMA (Nova York) e Guggenheim (Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos).