35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de obra A água é uma máquina do tempo, de Aline Motta durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Aline Motta

Aline Motta organiza o material da história para criar significados. Ora poeta, ora cineasta, ora fotógrafa, ora performer, sua prática é especulativa. Construindo ou transformando mundos, por meio do processo da anotação e da edição, ela dialoga com o silêncio do esquecimento do arquivo no intuito de tornar visível o que não é familiar e não é conhecido. Além da estrutura imperial da fecundidade, encontram-se as narrativas íntimas que ela revela. A construção da história colonial brasileira fraturou, desbotou, sobrecarregou suas linhagens familiares, que ela reconstrói – puxando o cordão umbilical que faz nascer sua mãe, depois sua avó. Por meio de imagens e textos, sua obra épica, A água é uma máquina do tempo propõe a seguinte pergunta: “Seria possível fabular novos laços de parentescos, novas linhagens e até mesmo uma nova de filiação?”1

Do berço à sepultura, do útero à tumba,2 Motta se move meticulosamente por entre os vestígios de sua família. Enquanto isso, ela examina a força matriarcal que torna tudo possível. Mares de páginas, fios de tinta, poças de sangue – tudo é engolido na espiral de tempo, iluminado por formas de cuidado que Motta coloca no coração pulsante de sua prática artística. No entanto, esses gestos não são simples nem configuram significações normativas do amor ou da feminilidade. Antes, são formas feridas e esfoladas, insistentemente enegrecidas, de apoio. A bem dizer, como argumenta a teórica em estudos afro-americanos Saidiya Hartman, essas mesmas “formas de cuidado, de intimidade, e de sustento, exploradas pelo capitalismo racial, sobretudo, não são reduzíveis ou esgotáveis por ele… Esse cuidado, que é coagido e dado livremente, é o coração negro de nossa poiesis social, do fazer e do relacionar”.3

oluremi onabanjo
traduzido do inglês por alexandre barbosa de sousa

1. Aline Motta, “A água é uma máquina do tempo”. eLyra: Poesia e Arquivo, n. 18, p. 333-337, 2021. (Depoimentos). Disponível em: elyra.org/ index.php/elyra/article/view/422/457. Acesso em: 28 maio 2023.
2. Aqui invoco Christina Sharpe, In the Wake: On Blackness and Being. Durham: Duke University Press, 2016, p. 87.
3. Saidiya Hartman, “The Belly of the World: A Note on Black Women’s Labors”. Souls: A Critical Journal of Black Politics, Culture, and Society, v. 18, n. 1, pp. 166-173, jan./mar. 2016, p. 171.

Aline Motta (Niterói, RJ, Brasil, 1974. Vive em São Paulo, Brasil) trabalha com fotografia, vídeo, instalação, performance e colagem. Apresentou exposições individuais no MAR (Rio de Janeiro, Brasil) e Sesc Belenzinho (São Paulo, Brasil). Seus trabalhos foram apresentados em exposições em espaços como MASP, Tomie Ohtake (São Paulo, Brasil) e Centro Cultural Kirchner (Buenos Aires, Argentina). Exibiu vídeos no New Museum (Nova York, EUA). Publicou o livro A água é uma máquina do tempo (2022).