35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
Entrada gratuita
A+
A-
35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
Menu
Vista de Reassemblage de Trinh T. Minh-ha © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Descolonização cultural no cinema: Quem conta nossa história?

A 35ª Bienal reuniu várias obras que podem ser pensadas com base na formulação speak nearby (falar próximo) da cineasta Trinh T. Minh-ha. Diferentemente do speak about (falar sobre), bastante comum no cinema etnográfico, a artista apresenta uma perspectiva decolonial ao retratar uma cultura desconstruindo a lógica bipartida da objetividade científica e da subjetividade nativa. Quando não se evita essa polarização, criam-se fronteiras e limita-se a partilha, hierarquizando as culturas ao fazer um juízo de valor sobre elas.

Para começar a visita, partiu-se de uma rodada de discussão sobre os conceitos que Trinh T. Minh-ha expõe e a relação que esses estabelecem com a realidade contemporânea. Um exemplo, surgido durante a rodada, foi o curta-metragem Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès, baseado no livro Da Terra à Lua, de Júlio Verne. Nesse filme, de uma narrativa colonialista, reflexo do contexto social no qual a obra foi produzida, há uma representação da dicotomia colono-nativo entre os cientistas que saem da Terra e os nativos da Lua. Dessa forma, mesmo que invadidos e assassinados, os “lunares” são retratados como selvagens e perigosos. Essa análise do conteúdo fílmico permitiu realizar paralelos com a colonização europeia e o neocolonialismo. 

Procurando um contexto regional, o grupo assistiu ao filme Thuë pihi kuuwi: Uma mulher pensando (2023), dirigido pelos cineastas Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami. Filmado na comunidade Watorikɨ, no estado do Amazonas, a base da narrativa é uma mulher indígena fabulando sobre os efeitos do yãkõana, usado pelos xamãs para se conectarem com os xapiri, guardiões da floresta. Feito na língua yanomami, a narrativa traz cosmogonias do povo Yanomami e mostra o poder da autorrepresentação. Assim que o curta-metragem terminou, os visitantes foram convidados a compartilhar suas perspectivas da obra. Foi comentada a relação temporal da narratividade e, para muitos, era a primeira vez que assistiam a um filme realizado por indígenas.

Vista de Thuë pihi kuuwi, de Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Concluída a discussão, o grupo continuou caminhando até encontrar a instalação do escultor e cineasta independente filipino Kidlat Tahimik. A enorme obra, presente no andar verde, chamava a atenção dos visitantes. Como uma construção que interligava cinema e colonização, a análise dos diferentes detalhes da escultura possibilitou uma prolífera conversa sobre como o artista conseguiu materializar temáticas complexas, tanto em iconografia como em técnica e, ao mesmo tempo, fazer uma crítica iconoclasta repleta de matizes. Também foi possível estabelecer paralelos entre a sua instalação e a produção fílmica, principalmente com o longa-metragem Mababangong bangungot [Pesadelo perfumado] (1977).

Finalmente, foi assistido um trecho do documentário Tongues Untied [Línguas desatadas] (1989), de Marlon Riggs, que retrata a comunidade gay negra nos Estados Unidos na década de 1980. Nele, pôde-se perceber a poesia como ferramenta de resistência. O grupo ressaltou as possibilidades criativas do discurso nascido da perspectiva pessoal, que procura conversar com o semelhante, e não focada na distribuição massiva. A visita ainda não havia sido concluída quando a Bienal já estava terminando o atendimento ao público. Assim, finalizamos a visita conversando enquanto caminhávamos em direção à saída.