35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
Entrada gratuita
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Faixa 7

Melchor María Mercado

Chegamos a uma sala fechada, com as paredes pintadas de vermelho vivo. A sala é dedicada à obra Álbum de paisagens, tipos humanos e costumes, do artista boliviano Melchor María Mercado. Estão expostas setenta ilustrações, de um total de cento e quarenta e uma, feitas com aquarela e tinta colorida sobre papel branco. Cada uma mede 20,5 centímetros por 33 centímetros. Estão dispostas umas ao lado das outras, em vitrines que são iluminadas de dentro para fora. Essas vitrines ocupam toda a extensão de  três paredes da sala, formando um U.

As aquarelas foram produzidas entre 1841 e 1869, período de início da República da Bolívia, embora tenham sido exibidas pela primeira vez mais de um século depois, em 1991. Na época de sua criação, predominavam os relatos sobre a vida nesse país de uma perspectiva europeia sobre as colônias. As ilustrações de Mercado constituem um conjunto valioso justamente porque tencionaram contar uma história da Bolívia a partir da perspectiva de uma pessoa boliviana. Afinal, uma história contada por alguém que a viveu seria muito diferente daquela contada pelos colonizadores. Como diz Beatriz Martínez-Hijazo para o catálogo desta Bienal, “indo na contramão da historiografia tradicional e do gosto neoclássico predominante, Melchor María Mercado tece outras formas de ‘narrar a nação'”.

Melchor María Mercado nasceu na cidade de Sucre, Bolívia, no ano de 1816, e faleceu em 1871. Ao longo de sua vida, exerceu diversos ofícios, tanto científicos quanto artísticos. Seu interesse por pintura, pela história natural e pela política o levou a percorrer todas as regiões do território boliviano, o que  possibilitou a realização desse importante trabalho iconográfico. 

As ilustrações revelam aspectos da cultura, arquitetura e natureza boliviana: costumes e hábitos das pessoas, sobretudo de personagens populares em cenas da vida cotidiana; detalhes das suas ferramentas e instrumentos de trabalho; trajes típicos; artefatos de suas festividades; cosmologias, mitos e tradições. Sua obra também evoca o entorno natural, como as montanhas, os rios, as plantas e os animais, e paisagens rurais e urbanas, como cidades, povos, jardins, igrejas e monumentos. Aqui, o que era marginalizado pelo poder colonial passa a protagonizar a narrativa: navegantes do lago Titicaca, mulheres “del oriente”, cegos, cholas, mestizas, indígenas, animais… Uma narrativa do povo boliviano para o povo boliviano. 

Importante notarmos que alguns dos elementos pictóricos evocam o realismo fantástico e suscitam reflexões políticas. Nas ilustrações, por exemplo, é comum que nobres colonizadores sejam retratados sendo decapitados; ou que comunidades bolivianas apareçam em lugar de superioridade em relação aos colonizadores. Por outro lado, Mercado também suscita uma reflexão sobre as relações humano-animais, muitas das vezes invertendo as posições – pessoas sendo devoradas por bichos ou em posição de animais de carga.