35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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2023
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Faixa 10

Ayrson Heráclito e Tiganá Santana

Chegamos agora à Floresta de infinitos,  instalação de Ayrson Heráclito e Tiganá Santana. 

Ayrson Heráclito nasceu em 1968 em Macaúbas, na Bahia. É artista visual, pesquisador, curador e professor. Suas obras vêm sendo apresentadas em importantes mostras individuais e coletivas, tanto nacionais quanto internacionais. Tiganá Santana nasceu em 1982 em Salvador, Bahia. É compositor, cantor e professor de arte da Universidade Federal da Bahia. Possui vários trabalhos artísticos reconhecidos internacionalmente, bem como uma pesquisa em torno de pensares bantu-africanos. 

Como diz Luciana Brito no catálogo desta exposição, Ayrson e Tiganá realizam aqui “um tributo à floresta, uma oferenda às forças da natureza, louvando sua energia resguardada entre plantas e árvores, que tornam possível a existência da humanidade”. “Instalada no centro da maior cidade da América Latina”, a Floresta de infinitos “é um projeto político em defesa da vida e da preservação da natureza, que propõe uma ruptura radical com a ignorância e o extermínio”.

Para iniciar nossa imersão, entramos literalmente nesta floresta. “Agô! Pede-se licença para entrar na mata sagrada”, nos lembra Brito. 

A floresta está em uma das salas construídas para esta Bienal e possui, no total, 240 metros quadrados. Toda instalação é formada por muitos e muitos bambus beges instalados verticalmente, apoiados no chão, um ao lado do outro. Eles possuem diâmetros variados, chegando a no máximo 20 centímetros, e aproximadamente quatro metros de altura. Entre esta floresta de bambus há um caminho sinuoso, coberto de  serragem marrom, por onde seguimos nossa trilha. Ao longo desse caminho, em meio à floresta de bambus, há caixas de som e telas de 2,5 metros por 1,4 metros, com tecido de tule preto ou transparentes, com projeções de imagens. 

Descrita pelos artistas como “nosso sonho poético”, a Floresta de infinitos é “povoada de vidas materiais, inanimadas ou que se tornaram ancestrais”, como descreve Brito. A instalação-floresta nasce como um momento de invocação e conexão com forças e entidades africanas (no Brasil), afro-brasileiras e indígenas, especialmente Oxóssi/Mutalambô/Otolu; Ossayin/Katendê/Agué; e os Caboclos. Essas entidades se capilarizam em toda a instalação, não exatamente numa representação visual particular e sim na própria acepção da floresta como um todo. 

Junto dessas entidades estão o que os artistas denominam de “aparições”. Elas são figurações humanas e não humanas, em vídeo ou foto animada, que aparecem nas telas de projeção dispostas em locais específicos da instalação. Essas telas são ativadas conforme caminhamos pela trilha e passamos por elas, “lembrando-nos que as novas tecnologias não são distantes das várias vivências negras e indígenas nas florestas, na vida e na morte.” 

Num primeiro plano estão aparições humanas, isto é, pessoas que não estão mais biologicamente vivas, mas que ativam as ligações com as entidades convocadas e/ou que lutaram pela salvaguarda de diversas manifestações da natureza. Como propõem Heráclito e Santana, essas personagens humanas “tornaram-se guardiãs de uma ideia profunda de floresta, natureza e encantamento” que esta obra evoca. Dentre elas estão, por exemplo, Mãe Stela de Oxóssi, Joãozinho da Goméia, Mãe Edna, Mãe Mirinha do Portão, Dom Phillips, Bruno Pereira, Chico Mendes e o Índio do Buraco. 

Noutro plano estão as aparições chamadas de “espíritos biomórficos”, isto é, entidades extintas ou violentadas pela ação humana, como, por exemplo, o rio Doce, a perereca-verde-da-fímbria, o pássaro peito-vermelho-grande e a gameleira branca. Como nos contam Heráclito e Santana, “elas [também] tornaram-se guardiãs, inclusive das florestas que virão, das suas possibilidades infinitas, a despeito da sua finitude”.

Numa terceira zona de aparições está a única entidade biologicamente viva: uma árvore de pau-brasil de mais de 600 anos, a mais antiga já identificada no país, na região de Itamaraju, no sul da Bahia. 

Todas estas aparições são ancestrais e nos convocam, hoje, a repensarmos nossas ações com vistas a equilibrarmos nossas existências com o que solicita a natureza.

Por fim, uma última dimensão dessa floresta-instalação são os sons e outros “encantamentos sonoro-imagéticos”, como descrito pelos artistas. As diversas camadas e texturas sonoras trazem a possibilidade de experimentarmos uma imersão tridimensional. Entre melodias criadas e sons captados em algumas viagens, talvez possamos sentir o “bafo” da floresta em diferentes momentos do dia, sons intermitentes de seres vivos, de ventos, de árvores, das chuvas. O que mais você escuta e sente?

“Agô, [agora] é hora de deixar a floresta”, como diz Brito. “Deixemos a mata voltar a seu silêncio misterioso, com seus encantados, rios e formas de vida infinitas. […]. A respeito da visita humana, perguntam-se: será que aprenderão que toda vida é sagrada?”