35th Bienal de São Paulo
6 Set to 10 Dec 2023
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Da lama ao caos – A materialidade que transmuta a fabulação de uma ancestralidade futura

A nomeação do encontro se deu não só como um convite a brincar com o tempo, mas também foi uma menção de como conduziríamos a visita. Mesmo que considerássemos a teoria crítica de Saidiya Hartman1 que trabalha as lacunas de apagamento estruturadas pela história oficial, só poderíamos especular o futuro e não fabular, entretanto, ao abraçarmos o tempo espiralar que Leda2 nos traz, essa possibilidade se apresentou para nós, pois o desenho linear ocidental se desfez apontando novas encruzilhadas e temporalidades em diálogos com Rufino.3 Partindo da teoria do caos, uma das referências de Chico Science4 que é o alinhavo de toda essa narrativa que nos conduz ao Futuro Ancestral.5

Temporalidades e transmutações se reconfiguraram ao passo que a terra reagia por meio das interações propostas pelo grupo de artistas em que passamos. Como abordar os resquícios e desdobramentos da colonialidade por meio da matéria? A resposta desse elemento foi para nós um exercício tanto de estabelecer novas leituras e caminhos, quanto de outras possibilidades de mediação. A música Da lama ao Caos6 não só acordou o corpo, como nos convidou a estar mais presente naquele momento, conversou e emprestou sua voz de modo a criar outras camadas aos trabalhos com que nos relacionamos.

Zumví não nos trouxe a terra em sua materialidade, mas nos levou ao território com a maior concentração de pessoas negras no Brasil. Como ainda se faz importante registrar e organizar para restabelecer, The Living and the Dead Ensemble 7 cria uma espiral entre as temporalidades que desenvolve sua resposta/provocação, surgindo para nossa narrativa como ápice do caos que foi anunciado no início do encontro.

Que eu me organizando posso desorganizar
Que eu desorganizando posso me organizar
Que eu me organizando posso desorganizar.8 

Coreografia de retorno registrada nessa cicatriz colonial que de certa forma tentávamos estancar com o intuito de entender os motivos para ainda hoje seguir tão aberta. Não nos propomos fechar nada, mas caminhamos até a série Mangue (Rosana Paulino, 2023) buscando entender como caminhar a partir do lugar que ocupamos. Ouvimos os conselhos dessas mais velhas por meio de Tássia Reis9, que conectou a lama do mangue com a das vielas – que talvez para alguns de nós da grande urbe, seja mais próximo.

Registro da visita. Série Mangue, de Rosana Paulino [2023]. Foto: © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

E foi ali que confluímos10, não em uníssono, mas de modo que todos os tons pudessem ser ouvidos, construímos em conjunto uma possível destruição desse mundo, partimos do fim para o início, espiralando desejos e incômodos atemporais. Nos desfizemos do prefixo “des”11 como nos sugeriu o mestre e coreografamos um ritornelo em direção aos saberes ancestrais que tiraram de nós.

    • HARTMAN, Saidiya, Vidas rebeldes, belos experimentos: Histórias íntimas de meninas negras desordeiras, mulheres encrenqueiras e queers radicais. São Paulo, Fósforo, 2022.
    • MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro, Cobogó, 2021
    • RUFINO, Luiz, Pedagogia das encruzilhadas. 2019
    • Cantor e compositor brasileiro, que pertenceu ao movimento Mangue Beat. Para mais informações acesse: https://acervochicoscience.com.br/
    • KRENAK, Ailton, Futuro Ancestral. 2022
    • Composição de Chico Science para o álbum Da Lama ao Caos (1994) da banda recifense Nação Zumbi
    • Participam com a videoinstalação The Wake [A vigília], 2021
    • Versos da música Da lama ao caos. A tese se sustenta a partir da ideia de que um único acontecimento pode gerar consequências futuras imensuráveis. Considerando a possibilidade de um simples bater de asas de uma borboleta no Brasil pudesse gerar um tornado no Texas (expressão famosa a partir de uma palestra feita por Edward Lorenz em 1972).
    • REIS, Tássia, Da lama/ Afrontamento, Álbum: Outra Esfera. 2016
    • Quando a gente confluencia, a gente não deixa de ser a gente, a gente passa a ser a gente e a outra gente – a gente rende. A confluência é uma força que rende, que aumenta, que amplia.” SANTOS, 2023,  p. 15.
    • SANTOS, Antônio Bispo dos, A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu, 2023, p. 13-14.