Wifredo Lam Ilustração do artista para o livro Fata Morgana, de André Breton (1941) Sem título, 1940-1941 Lápis e nanquim sobre papel 31 x 24 cm Galerie 1900-2000, Paris © Wifredo Lam / AUTVIS, Brasil, 2023
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Sarah Maldoror Wifredo Lam, 1980 Stills do vídeo, 4’ Cortesia: Annouchka de Andrade & Henda Ducados
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Sarah Maldoror Wifredo Lam, 1980 Stills do vídeo, 4’ Cortesia: Annouchka de Andrade & Henda Ducados
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Sarah Maldoror Wifredo Lam, 1980 Stills do vídeo, 4’ Cortesia: Annouchka de Andrade & Henda Ducados
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Sarah Maldoror Wifredo Lam, 1980 Stills do vídeo, 4’ Cortesia: Annouchka de Andrade & Henda Ducados
Fundo preto. No compasso da batida dos tambores, as criaturas nos olham. Esculturas densas: meio humanas, meio mitológicas, meio bichos. Sombrias e imponentes, e, acima de tudo, estranhas. Belamente estranhas. As personagens aparecem e desaparecem em um jogo de sombra e luz, foco e desfoco. Com elas, aos poucos, nos olham também as pinturas em livros e em telas. Figuras de corpos alongados, com membros fragmentados, partes que se repetem e se sobrepõem. Aos poucos esses seres tomam forma – deixam a escuridão e ganham contornos –, pois foram brevemente capturados no curto filme de Sarah Maldoror gravado em 1980, em homenagem a Wifredo Lam. Nesse filme, a câmera de Maldoror se move simulando os movimentos desses seres estranhos, conduzindo o olhar de quem assiste a percorrer de diversas maneiras essas geografias corporais inesperadas – pernas que se transformam em braços, pés que são como cabeças. Por um breve instante, a voz over tenta se fixar – conta que Lam é pintor-escultor afrocubano, de pai chinês e mãe negra, um surrealista caribenho radicado na França. Descobrimos que a reunião das criaturas se deve a uma exposição de trabalhos do artista. Mas nada disso interrompe o fluxo de olhares que atravessam a tela. Nesses poucos minutos, de forma generosa, o filme de Maldoror aterra no contexto e deixa que as criaturas de Lam indaguem (e olhem) por elas próprias.
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Entre Maldoror e Lam, uma aliança forjada há mais de três décadas entre utopias surrealistas e revolucionárias de toda parte e de lugar nenhum − Guadalupe, Cuba, China, França, Argélia, Angola e tantos outros lugares por se reimaginar e libertar. Sonhos e lutas de descolonização como beleza e ação. Um cubano afro-asiático luta ao lado dos republicanos na guerra civil espanhola. Uma franco-antilhana, no Movimento Popular de Libertação de Angola. Ambos sem contornos e fronteiras. A arte é política e pessoal − e coletiva e andarilha. Habitada por poesia e criaturas estranhas e belas.
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1956. A livraria Présence Africaine [Presença Africana] era um baobá africano e afrodiaspórico (re)plantado no meio do bairro parisiense Quartier Latin. Em sua grande sombra esbarravam-se jovens estudantes, artistas, escritores de África, do Caribe, das Américas. Entre os jovens discípulos do fundador do espaço cultural, o senegalês Alioune Diop (1910-1980), estavam Sarah Maldoror e sua trupe transnacional da companhia teatral Les Griots [Os griôs] − Ababacar Samb-Makharam (Senegal), Toto Bissainthe (Haiti) e Timité Bassori (Costa do Marfim). As histórias que esses jovens queriam contar passavam pelo desejo de construção de um teatro negro moderno − afirmando um lugar para as atrizes e os atores negros para além das personagens serviçais. Se o jazz e as danças negras já habitavam a paisagem cultural de Paris, os griôs desejavam estabelecer um lugar para as artes dramáticas. (E ninguém iria supor, naquele momento, que dois dos griôs, Maldoror e Bassori, enveredariam anos depois para o campo do cinema.) Inexperientes e ambiciosos, os griôs lançaram-se então em cursos de atuação, formações pagas e públicas, ensaios projetos. Nos intervalos, participavam das atividades regulares da Présence Africaine. Estiveram lá acompanhando as alegrias e desavenças do Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros em Paris. (Será que os griôs também pensaram como poderia ter sido se o escritor W. E. B. Dubois não tivesse sido impedido pelo governo dos Estados Unidos de viajar para o evento? Será que então os negros estadunidenses poderiam ter se sentido menos estadunidenses negros? Será que, anos depois, olhando para a famosa foto do encontro com os 63 delegados do Congresso e apenas uma mulher, Maldoror se ressentiu desse apagamento?) E como será que o já reconhecido Lam se sentiu ao ser abordado pelos inexperientes e ambiciosos griôs, quando encomendaram ao artista o cartaz da peça de estreia? Um cartaz de Lam para a peça Huis Clos [Entre quatro paredes], de Jean-Paul Sartre – eis uma chegada de impacto para a recém-criada companhia de teatro negra. E que criaturas Lam pode ter inventado para esse cartaz? Obra que hoje é apenas uma menção em textos sem imagens do registro. Entre quatro paredes, quatro jovens negros reivindicavam sua possibilidade de também performar a crise existencial do sujeito moderno? Será que as criaturas eram fragmentos de pedaços desses sujeitos estilhaçados? Será que eram híbridos trans-humanos, nem bichos nem deuses?
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Anos mais tarde, Maldoror deixa Paris para estudar cinema em Moscou e depois fazer filmes por onde os sonhos de libertação estivessem pulsando. Lam permanece em Paris − fazendo surgir mais criaturas expatriadas, de toda parte.