35th Bienal de São Paulo
6 Set to 10 Dec 2023
Free Admission
A+
A-
35th Bienal de
São Paulo
6 Set to 10 Dec
2023
Menu

Encruzilhadas e ancestralidades

Mediei em colaboração com o Grupo Cultural Guiné- Bissau (GCGB-São Paulo), uma das experiências mais desafiadoras que já vivenciei. Objetivamente, a visita visava identificar elementos, objetos, símbolos e representações africanas, especificamente de alguns grupos étnicos da Guiné-Bissau que se assemelham ou poderiam estar representados em obras da 35ª Bienal.

Minha vivência em Guiné-Bissau permitiu perceber, desde o primeiro momento da mediação, que existiam elementos, símbolos e objetos semelhantes àqueles encontrados em meu país representados em obras da 35ª Bienal, especificamente nos trabalhos de Ibrahim Mahama (Gana); Ana Pi e Taata Kwa Nkisi Mutá Imê (Brasil); Castiel Vitorino Brasileiro (Brasil) e a dupla Ayrson Heráclito e Tiganá Santana (Brasil).

As semelhanças e contrastes provocaram reflexões e questionamentos sobre a definição do conceito da arte concebido a partir de uma perspectiva eurocêntrica, da busca por um valor estético universal, que não contempla complexidades existentes em lugares distintos. 

Em Guiné-Bissau, a arte está relacionada à atividade humana de vários grupos étnicos por meio da linguagem, dança, desenho, escultura, pintura, escrita, ritos e cerimônias, música e espiritualidade. Nessa perspectiva, ela está intimamente ligada com os modos de existir no tempo e no espaço, representando diferentes concepções de mundo e modos de viver de cada povo, nem sempre podendo ser separada do sagrado e da ancestralidade.

Nossa conversa começou com boas-vindas no espaço/obra de Denise Ferreira da Silva. Inicialmente, falamos sobre a relação entre arte e dança, a partir da perspectiva da encruzilhada, fundamentada nos saberes ancestrais e transmitida através da oralidade. 

Para nós, a visita constituiu um intercâmbio intercultural, criando espaço de troca e de compartilhamento de informações com o público, configurando-se como um momento histórico: pela primeira vez um africano da Guiné-Bissau participa da mediação.

Nas obras apresentadas durante a visita, identificamos alguns elementos semelhantes entre vários grupos étnicos da Guiné-Bissau e que também demonstram os sentidos e significados adquiridos quando se relacionam com o sagrado, como o carvão, o sal, os vasos, o chão, a floresta, a piroga, a cabaça, a encruzilhada, etc. 

Quando as pessoas do GCGB-São Paulo, viram a obra de Daniel Lind-Ramos 1, que inicialmente não estava prevista no roteiro, relacionaram sua estética com balobas da etnia Pepel. Balobas são palavras polissêmicas e não há uma relação direta que possa traduzir o seu sentido para a língua portuguesa, talvez uma aproximação seria olharmos como espaços sagrados de espiritualidades africanas anteriores e posteriores à colonização.

Registro de mediação, visita Encruzilhadas e ancestralidades. Obra Con-junto, de Lind-Ramos © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Depois de uma apreciação e da relação estética com a obra de Lind-Ramos, várias intervenções, questionamentos, curiosidades e comentários do público que nos acompanhava, procurando entender como funcionam balobas sagradas. Conversamos sobre espiritualidades, as relações entre humano e não humano, visível e invisível. Unimos artes com cantos, ritmos de tambor, balafon, marcas de passagem e de iniciação e danças tradicionais guineenses, seus significados e valores, atravessados por noções de ancestralidades que funcionam como energia vital e que fazem parte da nossa vida.

Para terminar o encontro, falamos densamente sobre as divindades espirituais dos povos guineenses e suas relações de sentido, assim como reforçamos a importância de manter ligação com nossos antepassados, pois são os ancestrais que têm o dever e a responsabilidade de nos proteger. Por isso, somos obrigados a manter constantemente uma ligação com nossos ancestrais, afinal sem isso, uma tragédia sem fim poderia mergulhar em nossas vidas. Vale ressaltar que cada dança performática e encenação apresentadas eram, antes, contextualizadas por nós.

 

    • Daniel Lind-Ramos participou da 35ª Bienal com a obra Con-junto, 2015