MAHKU
https://youtu.be/uW-wsGxfAd4
Estamos diante de uma obra representativa do grupo MAHKU, acrônimo de Movimento dos Artistas Huni Kuin, um coletivo de artistas da Terra Indígena Kaxinawá do rio Jordão. O grupo é formado por Ibã Huni Kuin, Bane Huni Kuin, Maná Huni Kuin, Acelino Tuin e Kássia Borges.
A produção do coletivo foi inspirada pelas investigações iniciadas por Isaías Sales, ou Ibã Huni Kuin, Txaná dos cantos huni meka. Em 2009, Bane, Acelino e Maná começaram a transformar esses cantos em imagens, com o intuito de decorá-los e compreendê-los. Esse processo foi, então, compartilhado, culminando na criação do coletivo artístico em 2012. Hoje, o coletivo é um importante agente no cenário da arte contemporânea brasileira.
A iconografia Huni Kuin apresenta traduções de cantos de cura e cenas concebidas a partir de processo de miração, experiências de visões estimuladas pela ingestão de ayahuasca durante os rituais de nixi pae. Também apresentam traduções de narrativas míticas e histórias ancestrais, descritas nos cantos rituais.
Uma das características marcantes das pinturas Huni Kuin é a presença de seres humanos e não humanos, ou de humanos e outros entes da natureza, enredados de maneira não hierárquica. Isto nos sugere que as relações entre uns e outros não são de separação, mas sim de continuidades e co-constituições.
Outra característica são as múltiplas cores. As pinturas Huni Kuin costumam ter pequenas áreas de coloração intensa, com predominância do amarelo, vermelho, azul, preto, marrom e rosa. Essas áreas são integradas aos outros elementos por meio de tramas gráficas muito complexas, que refletem e fazem referência às pinturas corporais.
Aspecto também marcante são as molduras preenchidas por grafismos demarcados por linhas pretas com áreas coloridas. Elas não são externas, e sim parte das pinturas. Mas, ao invés de limitar ou conter os demais elementos, a moldura parece propor a demarcação de um território autônomo, onde as histórias míticas, tradicionais e das mirações Huni Kuin podem fruir livremente.
Diferentemente das codificações ocidentais, onde prevalecem a mimese, a perspectiva, as regras de proporção e das técnicas canônicas, na pintura do MAHKU os compromissos são outros: a manutenção de uma zona de indiscernibilidade entre sonho e mito; a não hierarquização das relações entre entes viventes; a apresentação de elementos imagéticos que se distanciam da ilustração, abstração ou figuração para nos guiar por veredas de experiências interiores – ou de uma “arte espiritual”, como diz Ibã.
A pintura Rewe Rashūiti – Canto de cura aqui apresentada, tem dois metros e cinquenta e seis centímetros de largura por dois metros e trinta e cinco centímetros de altura. A cena central da obra é composta com uma paleta de cores intensas e vibrantes, emoldurada por uma borda com um padrão que se repete em toda sua extensão.
No centro da cena está a figura de um homem, retratado da cintura para cima, de frente, como se olhasse para você. O homem tem os braços fortes cobertos por grafismos losangulares traçados em preto sobre a pele de tom marrom, e as mãos estão cruzadas em frente ao tronco pintado de vermelho. No rosto dele também há grafismos dos olhos para baixo, mas agora mais triangulares e traçados em branco. Ele usa um colar colorido no pescoço e, sobre a cabeça, um adorno de penas altas e coloridas que formam uma ponta para cima, bem ao centro. Destaca-se uma pena em vermelho escuro no meio do cocar.
Uma grande cobra enrola-se em um tronco alaranjado do lado esquerdo, passa ondulando por cima da figura do homem e enrola-se novamente em outro tronco alaranjado do lado direito. O corpo do animal é composto por padrões brancos, quase ovais, com uma outra forma semelhante a um olho preto no centro e esses padrões brancos são intercalados por formas marrons e pretas menores. A cabeça da cobra chega próxima à orelha direita da figura central, e ela está engolindo a cabeça de um homem.
O fundo dessa cena central é totalmente preenchido por grafismos geométricos, pássaros coloridos, folhagens exuberantes, borboletas e palmeiras, em muitos tons de amarelo, rosa, azul e verde. Entre as figuras, o rosto de uma mulher indígena do lado esquerdo e de um homem do lado direito.
A borda quadrada que emoldura a obra é composta pelo mesmo padrão do corpo da cobra.
Para esta Bienal, os artistas do grupo MAHKU criaram as imagens de acordo com as temporalidades de seus próprios processos investigativos. Esse método é importante para entendermos as obras do coletivo. Como diz Renato Menezes no catálogo da mostra, “o que encontramos é o resultado de uma imagem-processo, realizada por muitas mãos, a partir do diálogo e do aprendizado entre os envolvidos, cujo objetivo final é a cura, tanto de quem a realizou quanto do observador que a acessa, transformando-a em experiência espiritual.”