35ª Bienal de São Paulo
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MAHKU

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https://youtu.be/BQTuzrKmXSI

Estamos diante de uma obra representativa do grupo MAHKU, acrônimo de Movimento dos Artistas Huni Kuin, um coletivo de artistas da Terra Indígena Kaxinawá do rio Jordão. O grupo é formado por Ibã Huni Kuin, Bane Huni Kuin, Maná Huni Kuin, Acelino Tuin e Kássia Borges. 

A produção do coletivo foi inspirada pelas investigações iniciadas por Isaías Sales, ou Ibã Huni Kuin, Txaná dos cantos huni meka. Em 2009, Bane, Acelino e Maná começaram a transformar esses cantos em imagens, com o intuito de decorá-los e compreendê-los. Esse processo foi, então, compartilhado, culminando na criação do coletivo artístico em 2012. Hoje, o coletivo é um importante agente no cenário da arte contemporânea brasileira. 

A iconografia Huni Kuin apresenta traduções de cantos de cura e cenas concebidas a partir de processo de miração, experiências de visões estimuladas pela ingestão de ayahuasca durante os rituais de nixi pae. Também apresentam traduções de narrativas míticas e histórias ancestrais, descritas nos cantos rituais. 

Uma das características marcantes das pinturas Huni Kuin é a presença de seres humanos e não humanos, ou de humanos e outros entes da natureza, enredados de maneira não hierárquica. Isto nos sugere que as relações entre uns e outros não são de separação, mas sim de continuidades e co-constituições. 

Outra característica são as múltiplas cores. As pinturas Huni Kuin costumam ter pequenas áreas de coloração intensa, com predominância do amarelo, vermelho, azul, preto, marrom e rosa. Essas áreas são integradas aos outros elementos por meio de tramas gráficas muito complexas, que refletem e fazem referência às pinturas corporais. 

Aspecto também marcante são as molduras preenchidas por grafismos demarcados por linhas pretas com áreas coloridas. Elas não são externas, e sim parte das pinturas. Mas, ao invés de limitar ou conter os demais elementos, a moldura parece propor a demarcação de um território autônomo, onde as histórias míticas, tradicionais e das mirações Huni Kuin podem fruir livremente. 

Diferentemente das codificações ocidentais, onde prevalecem a mimese, a perspectiva, as regras de proporção e das técnicas canônicas, na pintura do MAHKU os compromissos são outros: a manutenção de uma zona de indiscernibilidade entre sonho e mito; a não hierarquização das  relações entre entes viventes; a apresentação de elementos imagéticos que se distanciam da ilustração, abstração ou figuração para nos guiar por veredas de experiências interiores – ou de uma “arte espiritual”, como diz Ibã. 

A pintura Rewe Rashūiti – Canto de cura aqui apresentada, tem dois metros e cinquenta e seis centímetros de largura por dois metros e trinta e cinco centímetros de altura. É uma composição vibrante, marcada pelo uso intrincado de padrões geométricos e uma paleta de cores intensas. Três bordas sucessivas, cada uma preenchida com um padrão geométrico diferente, envolvem uma cena central como numa moldura.

A pintura traz ao centro duas pessoas ligeiramente de perfil, uma em frente da outra. De ambas está visível apenas o torso, dos braços para cima. O restante de cada corpo é como que preenchido por um vaso de cerâmica, que está logo abaixo de cada uma das pessoas. À esquerda, a pessoa tem a pele marrom escura. Sua cabeça é adornada com um cocar de penas azuis escuras, que rodeia todo o rosto e alcança os ombros. Ela toca uma flauta e sua expressão é de concentração. O vaso à sua frente tem fundo azul com grafismos geométricos em preto. A pessoa à direita tem a pele marrom escura e longos cabelos pretos. Ao redor da cabeça está um cocar de penas vermelhas, que chega até o ombro. Ela igualmente toca uma flauta, e sua expressão é serena. À sua frente está o outro vaso, ele tem fundo vermelho com grafismos geométricos em preto. 

O fundo dessa cena central é dominado por folhagens exuberantes em diferentes tons de verde, que parecem envolver e proteger as duas pessoas. Entre as folhas, há padrões geométricos desenhados em preto e coloridos em amarelo, rosa e outras cores vibrantes. Essa composição é envolta por uma moldura circular, com grafismos em tons de vermelho, laranja e branco. Esses grafismos são sinuosos, como as curvas de um rio ou de uma serpente. Depois há outra moldura, em formato quadrado, preenchida com grafismos em rosa, preto, azul, amarelo, verde e branco. Também há desenhos de aves e pássaros direcionados para cima, como se voassem; uma serpente; e o torso de outra pessoa de perfil. Ela está no canto inferior esquerdo. Sua pele é marrom escura, tem a cabeça envolvida por um cocar com penas amarelas e padrões em preto e branco e grafismos geométricos em preto no corpo. Com as mãos, toca uma pequena flauta. Uma borda quadrada, preenchida de padrões geométricos em azul e branco, finaliza a moldura desta tela. 

Para esta Bienal, os artistas do grupo MAHKU criaram as imagens de acordo com as temporalidades de seus próprios processos investigativos. Esse método é importante para entendermos as obras do coletivo. Como diz Renato Menezes no catálogo da mostra, “o que encontramos é o resultado de uma imagem-processo, realizada por muitas mãos, a partir do diálogo e do aprendizado entre os envolvidos, cujo objetivo final é a cura, tanto de quem a realizou quanto do observador que a acessa, transformando-a em experiência espiritual.”