Anna Boghiguian
https://youtu.be/3e9maffn09I
Anna Boghiguian é natural do Cairo, Egito. Viajante incansável, Boghiguian estudou no Egito, Canadá e México. Ela parte dessas viagens e estudos para criar narrativas por meio de colagens, livros, desenhos, pinturas, textos e instalações. Suas obras já foram exibidas em diversas mostras e integram as coleções de museus como o MoMA de Nova York e o Guggenheim dos Emirados Árabes Unidos.
Boghiguian conta histórias de muitas vozes. Sem perder a poesia, ela analisa contextos específicos, fragmentos de vidas individuais e uma grande variedade de fenômenos históricos. A obra dessa artista analisa as condições sociais do presente e questiona os eventos que as produziram.
É o caso de seu trabalho Woven Winds – The Formation of an Economy – Costly Commodities [Ventos entrelaçados − A formação de uma economia – commodities custosas], realizado entre os anos de 2016 e 2023, que faz parte desta Bienal. Nessa obra, Boghiguian reconta a origem e o desenvolvimento do comércio de algodão, atividade que antecipou a globalização atual da economia.
A obra é composta por um painel e uma instalação. O painel tem grandes proporções, mede dois metros e vinte centímetros de altura por vinte e seis metros de comprimento. O fundo é branco, e sobre ele há vários desenhos, textos, colagens e recortes de papel, em preto e branco e colorido. Começamos a leitura pela esquerda. Há personagens masculinos de terno, gravata e chapéu, e outros apenas com a roupa de baixo e o peito nu, em diferentes cenários – numa rua com uma placa onde está escrito “Wall”, em referência à fundação da cidade de Nova York, ao pé de uma árvore suntuosa, numa plantação de algodão. Como diz Marco Baravalle para o catálogo desta Bienal, “são as dramáticas histórias dos escravizados que se entrelaçam às narrativas sobre os imigrantes europeus. Boghiguian representa um navio no momento do desembarque de seu carregamento de europeus pobres, como os irlandeses, forçados a fugir da Grande Fome ocorrida entre 1845 e 1849, que chegaram aos Estados Unidos para contribuir com a formação da grande riqueza daquela nação. A artista nos lembra como essa nação deve muito ao cultivo do algodão e ao fato de que esse cultivo se organizou em torno da escravidão”.
Conforme avançamos à direita, os desenhos entremeados com textos vão ficando cada vez mais surreais e coloridos. Num deles podemos ler o seguinte, em tradução livre: “A história do mundo moderno mudou completamente com a era das explorações e descobertas, quando o imperialismo e o colonialismo abriram suas portas. Invasores holandeses, portugueses, franceses e ingleses entraram em terras até então desconhecidas por eles, em busca de matérias-primas que pudessem comercializar”.
A instalação está posicionada em frente ao painel. É uma plantação de algodão. No chão deste espaço expositivo há um punhado de terra, distribuído em formato circular, com três metros de diâmetro. Sobre essa terra há pés de algodão. Do caule fino brotam delicados galhos, cada um com vários botões desabrochados que fazem ver o algodão. Ao redor da plantação há vários personagens feitos em papel e apoiados num pequeno suporte de madeira por duas hastes finas. Um deles é um senhor negro, careca, vestido com um elegante terno. Ele segura um instrumento musical de cordas, provavelmente um baixo, e sorri. Distribuídos pelo espaço entre a instalação e o painel estão vários outros personagens, também feitos de papel e apoiados no pequeno suporte pela haste. São homens negros, desnudos ou em roupas de trabalho, e homens brancos vestidos com elegantes roupas. Distribuídos pelo espaço, é como se eles se destacassem do painel e ganhassem vida, dando ainda mais dramaticidade à crítica de Boghiguian sobre o papel da colonização e escravidão na economia global.
Malcom Ferdinand, especialista em ecologia política, refere-se à nossa era com o termo Plantationceno, ou a era da plantation. Plantation foi um sistema de produção agrícola baseado em grandes latifúndios e monoculturas, em geral utilizando trabalho escravizado, que foi praticado por países europeus em suas colônias na América, África e Ásia a partir do século 16. A utilização do termo Plantationceno vêm para enfatizar as responsabilidades do colonialismo na atual crise social e ecológica. Como afirma Baravalle no catálogo, a obra de Boghiguian parece corroborar com essa tese. De fato, diante de sua obra, nos vemos imersos em uma história populada por escravizados do oeste da África, deportados para o Novo Mundo para trabalhar em plantations de algodão, dentre outras, que substituíram formas indígenas tradicionais de cultivo e de circulação de produtos a fim de abrir caminho para um modelo de produção extrativista e totalmente voltado ao lucro.