Bienal na Escola – Águas confluentes em Salvador
O programa Bienal na Escola consiste em uma série de ações, desenvolvidas metodologicamente a partir de oficinas, laboratórios de investigação, educação patrimonial e arte contemporânea. A equipe de educação da Bienal visita escolas da rede pública de ensino para a realização de práticas e conversas na intersecção entre arte contemporânea e educação. Posteriormente, esses grupos são recebidos na Bienal.
Ao longo das itinerâncias da 35ª Bienal – coreografias do impossível, o projeto se desdobra. Nomeado Bienal na Escola – Águas confluentes, as discussões a partir da 35ª Bienal e dos recortes das mostras itinerantes se deslocam para diferentes territórios e construções coletivas. Assim como em São Paulo, após as confluências com a Equipe de Educação da Bienal, os grupos são recebidos na exposição realizada nas instituições parceiras.
Fomos recebidas com um café daqueles que ficam agarrados na memória e enchem a boca com água de vontade. Ajeitamos, com a ajuda de alguns professores, uma grande roda no pátio externo. Depois do lanche, chegaram. A escola inteira estava ali.
Assistimos a alguns vídeos e lançamos poucas perguntas para começar a conversa, daquelas genéricas que fazem as vozes começarem a circular de um jeito tímido. Boa parte ficou em silêncio, o que era de se esperar, estávamos no final do dia deles ali, mas começo da semana, ainda voltariam mais quatro dias consecutivos numa competição entre outras obrigações e outros desejos.
Tudo bem. Se você chegou no terceiro movimento da publicação educativa, vai entender que:
“primeiro eu coçumbo para depois eu cupopiar”1
Na encruzilhada onde nascem encontros, nos esbarramos na esquina do futebol. “Você é Bahia ou Vitória?”. Escutamos. Falamos de Bienal. Escutamos. Eles falaram da exposição que produziram sobre o seu bairro, “nosso povo, nossa terra”. Escutamos, falamos.
Algumas vozes mais tímidas preferiam conversas menores, se dirigiam quase que buscando uma prosa particular no meio da roda. Deixamos seguir. Ficaram instigados com a possibilidade de visitar o MAM-BA, em Salvador. Instigados com o Quilombo onde as pessoas cupopiam, com vasos que carregam poesia conectando territórios diferentes, com o im/possível nas coreografias.
Depois do encontro na escola, o Centro Educacional Municipal Professora Ana Judite de Araújo Melo, Lívia Oliveira, professora e diretora nos conduziu pelas ruas de São Braz, quilombo em Santo Amaro (BA). Saímos da escola com a promessa de conhecer o Mangue. Ir encontrar o mangue é re/de/compor um tanto daquilo que se espera. Ele por si já é encontro, já é curva na possibilidade de fim, é como diria Antonio Bispo do Santos, “começo, meio, começo”.
De Lívia, conhecemos a neta, a filha, o mangue. O mangue ficava nos fundos de sua casa. Ali ela partilhou aquelas histórias que extrapolam, aquelas que fazem a gente “querer ficar continuando”. Professora. Quilombola. Mãe. Avó…
Rosana Paulino foi aparecendo cada vez mais. Sua obra para a 35ª Bienal foi trançando as narrativas. Lívia, Garça Branca, Guará Vermelho, Peixe e Caranguejo2 estavam enredadas. No meio delas, o mangue.
Antes de imaginarmos o que estaria por vir com as itinerâncias, numa conversa em seu quintal/ateliê Rosana nos disse uma frase gostosa de ouvir, daquelas que arrancam um riso leve em quem escuta, mas que reivindicam um tanto:
“Eu sou um trem que não cabe no ocidente”3
Lívia era assim, não cabe, não tem como. E no meio do “não caber”, as afetividades, os movimentos, a ancestralidade, a luta por educação convidava para a prosa Rosana Paulino e Sueli Carneiro. O quintal onde fomos lembradas que “nós não temos um drama, temos uma luta para tocar” virou mangue.
- Experimentar o chão: conversa sobre infâncias com Sandra Benites, Regina Aparecida Pereira e Cintia Aparecida Delgado, em Terceiro Movimento da Publicação Educativa, 35ª Bienal de São Paulo.
- Obras da série Mangue, de Rosana Paulino para a 35ª Bienal de São Paulo, 2023.
- Citação de Rosana Paulino, presente no Segundo Movimento da Publicação Educativa, 2023.