35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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MAHKU

 

Estamos diante de uma obra representativa do grupo MAHKU, acrônimo de Movimento dos Artistas Huni Kuin, um coletivo de artistas da Terra Indígena Kaxinawá do rio Jordão. O grupo é formado por Ibã Huni Kuin, Bane Huni Kuin, Maná Huni Kuin, Acelino Tuin e Kássia Borges. 

A produção do coletivo foi inspirada pelas investigações iniciadas por Isaías Sales, ou Ibã Huni Kuin, Txaná dos cantos huni meka. Em 2009, Bane, Acelino e Maná começaram a transformar esses cantos em imagens, com o intuito de decorá-los e compreendê-los. Esse processo foi, então, compartilhado, culminando na criação do coletivo artístico em 2012. Hoje, o coletivo é um importante agente no cenário da arte contemporânea brasileira. 

A iconografia Huni Kuin apresenta traduções de cantos de cura e cenas concebidas a partir de processo de miração, experiências de visões estimuladas pela ingestão de ayahuasca durante os rituais de nixi pae. Também apresentam traduções de narrativas míticas e histórias ancestrais, descritas nos cantos rituais. 

Uma das características marcantes das pinturas Huni Kuin é a presença de seres humanos e não humanos, ou de humanos e outros entes da natureza, enredados de maneira não hierárquica. Isto nos sugere que as relações entre uns e outros não são de separação, mas sim de continuidades e co-constituições. 

Outra característica são as múltiplas cores. As pinturas Huni Kuin costumam ter pequenas áreas de coloração intensa, com predominância do amarelo, vermelho, azul, preto, marrom e rosa. Essas áreas são integradas aos outros elementos por meio de tramas gráficas muito complexas, que refletem e fazem referência às pinturas corporais. 

Aspecto também marcante são as molduras  preenchidas por grafismos demarcados por linhas pretas com áreas coloridas. Elas não são externas, e sim parte das pinturas. Mas, ao invés de limitar ou conter os demais elementos, a moldura parece propor a demarcação de um território autônomo, onde as histórias míticas, tradicionais e das mirações Huni Kuin podem fruir livremente. 

Diferentemente das codificações ocidentais, onde prevalecem a mimese, a perspectiva, as regras de proporção e das técnicas canônicas, na pintura do MAHKU os compromisso são outros: a manutenção de uma zona de indiscernibilidade entre sonho e mito; a não hierarquização das  relações entre entes viventes; a apresentação de elementos imagéticos que se distanciam da ilustração, abstração ou figuração para nos guiar por veredas de experiências interiores – ou de uma “arte espiritual”, como diz Ibã. 

A pintura Rewe Rashūiti, aqui apresentada, tem dois metros e vinte centímetros de largura por dois metros e sessenta centímetros de altura e traz ao centro a figura de uma jovem mulher indígena, em pé e de frente, vista da altura das coxas para cima. Ela tem os braços ao lado do corpo, levemente abertos, com os cotovelos um pouco dobrados e as palmas das mãos voltadas para cima, como se oferecesse ao espectador algo que tem nas mãos – em uma delas, um ninho com três ovos e em outra um pássaro azul. A mulher usa uma espécie de saia em tom verde, preto e vermelho e tem o tronco nu parcialmente coberto por um grafismo em preto. Seus cabelos são negros e longos, com uma franja que lhe cobre a testa. Nas laterais do rosto também apresenta alguns grafismos em preto e uma faixa de tinta vermelha cobre seus olhos. Um adorno de penas altas em azul, amarelo e vermelho passa por trás da cabeça, de um ombro a outro. O fundo da pintura é repleto de elementos: árvores, folhas, água, peixes, serpentes, aves, água, todos representados em cores sólidas e vibrantes. A moldura tem grafismos em preto, amarelo e branco que se parecem com os desenhos dos anéis do corpo de uma serpente.

Para esta Bienal, os artistas do grupo MAHKU criaram as imagens de acordo com as temporalidades e vicissitudes de seus próprios processos investigativos. Esse método é importante para entendermos as obras do coletivo. Como diz Renato Menezes no catálogo da mostra, “o que encontramos é o resultado de uma imagem-processo, realizada por muitas mãos, a partir do diálogo e do aprendizado entre os envolvidos, cujo objetivo final é a cura, tanto de quem a realizou quanto do observador que a acessa, transformando-a em experiência espiritual.”